Ontem
foi executado, por um pelotão de fuzilamento da Indonésia, o
brasileiro Marco Acher, acusado de tráfico de drogas. Como é de se
esperar, não faltaram opiniões pipocando pela internet. Algumas
delas partiram de Cristãos professos e seu conteúdo me preocupa um
pouco. Sendo assim, resolvi fazer um breve comentário sobre alguns
posicionamentos comuns quanto ao caso:
1) "Sou contra
a pena de morte..."
Aqueles
que condenam o ato do governo indonésio pelo simples fato de serem
contra a pena capital estão raciocinando em desacordo com os
princípios da Escritura Sagrada. Apóstolo São Paulo nos ensina que
devemos submeter "todo o entendimento à obediência de Cristo"
(2 Coríntios 10:5). Desta forma, nossa fé não apenas nos ensina
sobre a salvação, mas, deve nos guiar em todo o nosso raciocínio.
A fé na Revelação divina é o princípio de toda a sabedoria e
conhecimento. É impossível conhecer sem, primeiro, crer. Dito isto,
o Cristão deve, então, se perguntar o que Deus pensa da pena de morte
e, somente depois de obter esta resposta, formular sua opinião e
determinar seus sentimentos quanto ao assunto.
À
pergunta “o que a bíblia diz sobre a pena de morte?” deve-se
responder: que ela é legítima de ser aplicada pelo governo civil
em certos casos. Ponto. O Deus que deu a lei no monte Sinai ao
povo de Israel deu-a por completo. Deus-a para governar todos os
assuntos humanos, em todos os locais e em todas as épocas. Assim, a
lei de Deus não apenas refere-se a nós como indivíduos mas,
também, governa e rege as famílias, as igrejas, a cultura, a
economia e, claro, o estado e as punições civis. O primeiro e mais
evidente caso em que Deus requer que o estado puna um criminoso com a
pena de morte é o caso do homicídio, pois assim fora dito a Noé, a
saber, que “quem derramar o
sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus
fez o homem conforme a sua imagem.” (Gênesis
9:6). Além disso, falou ao povo de Israel que “se
alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à
traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra.” (Êxodo
21:14)
Quanto
a todas essas evidências, o Cristão moderno, acostumado a responder
emotivamente a questões como esta que nos é posta, dirá que essas
imposições eram apenas para o povo da Antiga Aliança, coisas do
Antigo Testamento, rudimentos da época da lei. Pois bem, se é
assim, isto é, se é verdade que o Novo Testamento anulou as leis
civis do Velho, eu pergunto: o que é que ele pôs em seu lugar? Esta
pergunta é por demais pertinente, porquanto não existe vácuo moral
em assunto algum. Certamente que algum princípio de legitimidade
deve reger, hoje, os governos civis. A pergunta é: qual? Muitos não
sabem responder a esta pergunta. Outros, infelizmente, se apressarão
em responder que o princípio que rege o governo civil no Novo
Testamento é o amor. Dirão, em favor de sua opinião, que Jesus
ensinou isso ao anular
a pena capital para o caso de adultério, pois lemos do apóstolo
João que:
Jesus,
porém, foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou
para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os
ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada
em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher
foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou
Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto
diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas
Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como
insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que
de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra
ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram
isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos
mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava
no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que
a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores?
Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe
Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João
8:1-11)
Há
muito que se possa dizer sobre este texto. Eu limito-me a argumentar
da seguinte maneira: se Jesus está aqui anulando a lei que punia o
crime de adultério com pena de morte (Deuteronômio 17:7), e, mas, a
está substituindo por outra lei, qual seja, a lei do amor, então
isto inevitavelmente nos leva a um anarquismo, sim, pois, se é
necessário alguém sem pecado algum para infligir uma pena civil e
se crime tão grave como o adultério deveria ser perdoado pelos
magistrados, por que deveria ele condenar crimes menores ou de
gravidade semelhante como o roubo, a agressão física ou o
homicídio? Segue-se, assim, que nenhuma pena pode ser aplicada a
criminoso algum e, portanto, não faz sentido haver governo civil.
Tal absurdo, qualquer crente deve prontamente reconhecer, está em
desacordo com os demais princípios bíblicos que governam o governo,
mesmo princípios do Novo Testamento, pois não lemos São Paulo
dizer que os magistrados civis são ministros do amor e da
misericórdia, mas que ele, o magistrado, é “vingador
para castigar o que faz o mal.” (Romanos
13:4). O que Jesus estava ensinando no caso da mulher adúltera é,
basicamente, que um julgamento civil deve ser feito com justiça
ilibada em todos os seus detalhes, conforme manda a lei. O julgamento
ali era injusto pois não fora feito conforme manda a lei. Evidência
disso é, por exemplo, a ausência do homem adúltero, pois, afinal,
o adultério fora cometido por ambos.
Vimos
assim que não há base exegética para afirmarmos que o Novo
Testamento anula a lei civil que Deus deu por meio de Moisés, ao
contrário, há textos que o confirmam (Romanos 1:32, Mateus
15:4). O
que deve crer, então, o Cristão? Deve crer que a pena de morte é
legítima pois fora instituída por Deus. Deve crer que o governo
civil tem direito e dever de aplicá-la nos casos prescritos pela
lei de Deus. Deve crer que isto, e nada mais, nada menos, é justiça
verdadeira, pois emana dos justos decretos de Deus.
2)
“..., mas ele sabia das leis daquele país.”
Outro
tipo de opinião que observei quanto a este caso é esta: que o
brasileiro Marco Asher conhecia as leis daquele país e, portanto,
sua pena foi justamente aplicada. Tal opinião revela uma crença
mais sutil e, creio, mais perigosa que a anterior. É a crença no
direito do estado como legislador absoluto.
Os que assim crêem são Cristãos que, baseando-se normalmente em
Romanos 13, concluem que nós devemos aceitar qualquer punição ou
legislação que o estado passar. Assim, se algo foi escrito num
papel e assinado por um magistrado civil, tal é lei legítima e deve
ser obedecido e aceito pelos cidadãos. Esta é uma pressuposição
perigosíssima, pois dá ao estado, quer queriam ou não, poderes
divinos, pois somente Deus é o legislador supremo. As ações do
estado são sujeitas ao julgamento por Deus da mesma maneira que o
são as ações individuais. Leis assinadas pelo estado que não são
prescritas ou autorizadas por Deus devem receber não menos que nosso
ódio e desprezo e devemos fazer de tudo quanto estiver ao nosso
alcance para anulá-las.
Pense
bem: se devemos aceitar como justa a punição dada pela Indonésia
ao senhor Asher pelo simples fato dele ter conhecimento das leis
daquele país, então deveríamos aceitar como justas as mortes de
judeus e outros povos pelo governo nazista, pelo simples fato de que
estas eram as leis daquele país? As leis alemãs da era nazista
proibiam que qualquer um escondesse um judeu em sua casa. Deveríamos
supor que um cidadão alemão que, sendo preso por ajudar um pobre
judeu em fuga do campo de concentração, teria uma punição justa
porque ele sabia
das leis de seu país? Creio que, pondo as coisas desta maneira, fica
evidente o quão tola é esta opinião.
3)
“ele era traficante, e as drogas que traficavam iriam destruir
famílias.”
Que
as drogas destroem famílias, isto é um fato que não se pode negar.
Porém, não se pode negar, também, que o álcool, uma droga lícita
no Brasil e em boa parte do mundo, também destrói famílias. Nem
podemos negar, ainda, que Deus autoriza e abençoa o uso do álcool
pelo eu povo, como fonte de alegria e diversão (Deuteronômio
14:26). Não se pode negar, além disso, que carros, computadores,
sexo e outras coisas mais que Deus criou, ou que o homem desenvolveu
pelo seu intelecto, são também o meio
pelo
qual a maldade inata ao homem traz
muitos problemas. A questão que deve ser posta aqui é: o estado
tem autorização divina para proibir a circulação e uso de drogas?
A resposta é não. Outra pergunta ainda se faz necessária: mesmo
que o estado tivesse tal autoridade, poderia ele punir com a morte
aqueles que desobedecessem? Também, para esta pergunta, a reposta é
não.
O
Cristão é governado, em todas as suas ações e pensamentos pela
lei de Deus. Nós não estamos autorizados a ter opiniões contrárias
ao mandamento sagrado ou, ainda, a raciocinar de forma contrária à
lei. Dito isto, devemos concluir, a respeito somente da punição
aplicada pelo estado indonésio, que ela é injusta, ainda que
possamos abominar o ato que praticou o brasileiro Marco Asher.