sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Negação da Economia

Por Ludwig von Mises

Existem doutrinas que simplesmente negam a existência de uma ciência econômica. O que hoje em dia se ensina nas universidades sob o rótulo de economia é praticamente uma negação da economia.

Aquele que contesta a existência da economia está virtualmente negando que o bem estar da humanidade possa ser afetado pela escassez de fatores externos. Imagina que todo mundo poderia desfrutar a perfeita satisfação de todos os seus desejos, desde que fosse feita uma reforma para superar certos obstáculos causados por instituições inadequadas feitas pelo homem. A natureza é pródiga e generosamente cumula a humanidade com presentes. As condições poderiam ser paradisíacas para um número ilimitado de pessoas. A escassez é uma situação artificialmente criada por práticas estabelecidas. A abolição dessas práticas resultaria em abundância.

Na doutrina de Karl Marx e de seus seguidores, a escassez é apenas uma categoria histórica. É a parte essencial da história primitiva da humanidade que desaparecerá para sempre pela abolição da propriedade privada. Assim que a humanidade efetuar a transição do mundo de necessidade para o mundo de liberdade, atingindo desta forma "a fase superior da sociedade comunista", haverá abundância e, consequentemente, será possível dar "a cada um de acordo com suas necessidades". Não há, no vasto fluxo de escritos marxistas, a menor alusão à possibilidade de que uma sociedade comunista da "fase superior" possa ter que enfrentar uma escassez dos fatores naturais de produção. A realidade da existência da desutilidade do trabalho desaparece pela afirmativa de que trabalhar, numa sociedade comunista, evidentemente não será um encargo, mas um prazer, "a necessidade primordial da vida". As desagradáveis realidades da "experiência" russa são atribuídas à hostilidade dos capitalistas, ao fato de o socialismo não ter ainda alcançado sua "fase superior" por ter sido implantado apenas em um país, e, mais recentemente, pela guerra.

Existem também os inflacionistas radicais, como por exemplo, Proudhon e Ernest Solvay. Para eles, a escassez é criada por restrições artificiais à expansão do crédito e outros métodos de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, restrições essas que são impostas ao público crédulo pelos egoísticos interesses de classe dos banqueiros e de outros exploradores. Recomendam como panaceia que as despesas públicas sejam ilimitadas.

Tal é o mito da possibilidade de fartura e abundância. A economia pode deixar aos historiadores e psicólogos a tarefa de explicar a popularidade dessa maneira de tomar os desejos por realidade e de satisfazer-se com fantasias. O que a economia tem a dizer sobre essa conversa fiada é que a economia lida com os problemas que o homem tem que enfrentar devido ao fato de que sua vida é condicionada por fatores naturais. Lida com a ação, isto é, com os esforços conscientes para diminuir tanto quanto possível o desconforto. Não tem nada a dizer sobre o que sucederia num mundo, não só inexistente como também inconcebível para mente humana, onde as oportunidades fossem ilimitadas. Em tal mundo, pode-se admitir, não haveria nem lei de valor, nem escassez, nem problemas econômicos. Essas coisas não existiram porque não haveria escolhas a serem feitas, não haveria ação nem tarefas a serem resolvidas pelo raciocínio. Os seres que porventura tivessem florescido num tal mundo jamais teriam desenvolvido o raciocínio e o pensamento. Se algum dia um mundo assim fosse dado aos descendentes da raça humana, estes seres bem-aventurados veriam sua capacidade de pensar se atrofiar e deixariam de ser humanos. Porque a tarefa primordial da razão é enfrentar conscientemente as limitações que a natureza impõe ao homem, é lutar contra a escassez. O homem que age e que pensa é o produto de um universo de escassez onde qualquer gênero de bem estar que possa ser alcançado será fruto de esforço e preocupação, de uma conduta que comumente chamamos de econômica*.

Sobre o autor: Ludwig von Mises (Lviv, 29 de Setembro de 1881 — Nova Iorque, 10 de Outubro de 1973) foi economista, filósofo e grande defensor da liberdade econômica como suporte básico da liberdade individual, é um dos ícones da escola austríaca.

Em um de seus livros, Ação Humana (Human Action em inglês), apresentou os fundamentos metodológicos dessa escola e integrou a teoria austríaca. Publicou ainda diversas outras obras, muitas delas se encontram em português publicadas pelo Instituto Liberal e todas elas, na versão em inglês, podem ser baixadas gratuitamente do site do Instituto Ludwig von Mises. Entre outros, ele desenvolveu uma teoria do ciclo de negócios baseada nas mudanças das relações do mercado de crédito, e uma teoria sobre a impossibilidade do cálculo econômico no socialismo.

Sobre o texto: O texto é parte do capítulo 14 do livro Ação Humana, Um Tratado de Economia. Baixe gratuitamente o livro aqui.

Notas do Editor

* Aqui, Mises escreve de acordo com sua pressuposição humanista evolucionista. Deus criou e e dotou o homem de pensamento e de capacidade para agir e, originalmente, tal capacidade tem o propósito de ser usada no Pacto de Domínio. 

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