quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que constitui a educação cristã?

Por R. J. Rushdoony

No que constitui a educação cristã? Às vezes, escolas Cristãs o são apenas de nome: são escolas humanísticas com a Bíblia adicionada a um curso de estudos humanísticos. É um erro grave assumir, em primeiro lugar, que haja qualquer assunto neutro que pode ser ensinado da mesma forma tanto por escolas Cristãs como por escolas humanistas. Acreditar nisso é negar a total soberania de Deus sobre todas as coisas. Isso significa que existem áreas em que o homem, e não Deus, é o Senhor. Não há nenhuma área de neutralidade em toda a criação. O que nós acreditamos determina a nossa perspectiva em matemática, história, biologia, geologia, arte, educação física, e tudo o mais. O Deus trino é totalmente o criador de todas as coisas e, portanto, totalmente seu Senhor e determinante. Todos os assuntos ou são ensinados a partir de uma perspectiva bíblica, teísta, ou eles são ensinados a partir de uma perspectiva humanista, centrada no homem.

Em segundo lugar, devemos lembrar que os fatos não são neutros, como Cornelius Van Til tão poderosamente nos ensinou. Antes de haver um fato, há uma fé. A fé interpreta e determina os fatos. Os "fatos" do universo são muito diferentes para um budista, um humanista existencial, e um cristão ortodoxo. Para o budista, tudo é ilusão e miséria; sua fé exige a negação do mundo e da vida. Maya e karma determinam todas as coisas. Para um humanista existencial, "fatos" têm apenas um significado puramente pessoal, o significado que cada um os atribui. Nem o homem nem a criação tem alguma essência, qualquer significado criado e predeterminado. O bem e o mal e todas as outras formas de significado são auto-gerados: são valores que eu atribuo às coisas nos termos da minha vontade. Nada tem qualquer significado advindo do ato criativo de Deus; todo o significado vem do ato criativo do homem.

No pensamento bíblico, entretanto, cada fato é criado por Deus e por Ele interpretado, de modo que o significado de toda a criação deve ser entendido em termos dEle e de Seu Reino. São Paulo deixa claro aos Coríntios que

Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum juízo humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo. Porque em nada me sinto culpado; mas nem por isso me considero justificado, pois quem me julga é o Senhor.  (1 Coríntios 4:3,4)

A palavra que Paulo usa para juiz é anakrino, "examinar, investigar e questionar". Paulo simplesmente diz que ele não tem o direito de examinar, informar-se sobre, investigar, questionar e julgar nada em termos de seus próprios padrões e testes. Da mesma forma, ele não tem respeito por todas e quaisquer julgamentos feitos sobre si mesmo. O único critério para investigação e julgamento é o Senhor e Sua palavra, e mesmo assim o julgamento completo e claro de Deus só será aparente clara e totalmente com o advento do Juízo Final (1 Cor. 4:5).

A implicação clara aqui e em outros lugares é que todo o estudo e investigação deve ser feito em termos da Palavra de Deus e do fato da soberania de Deus como criador, sustentador e Senhor.

Em terceiro lugar, não só a fé determina os fatos, mas a fé determina a mente. A filosofia humanística da educação dá prioridade à mente humanista. Intelectualismo é o determinante: é a verdadeira moralidade. Quanto maior o nível de educação humanística, supostamente o maior o nível de caráter moral será. A salvação é, deste modo, vista como a disseminação da educação e do conhecimento humanístico sobre toda a face da terra.

Para nós, no entanto, a disseminação da educação humanista é a disseminação do pecado e da apostasia. Para nós, a educação é ainda mais desejável do que para os humanistas, mas deve ser a educação piedosa e em termos de todo o conselho de Deus. Verdade para nós não são as ideias, crenças e fatos humanistas, mas Jesus Cristo (João 14:6), e para nós "a verdade tem como objetivo a bondade", e também o conhecimento verdadeiro. Um homem não pode ser santo ou moral fora de Jesus Cristo, nem pode um homem ter verdadeiro conhecimento à parte dEle.

Isto significa que livros cristãos são uma necessidade. Nós, como cristãos, somos membros de um outro reino, o reino de Deus. Nós vivemos, não em um universo sem sentido, cego, e evoluindo ao acaso, mas em um universo totalmente criado e governado por Deus, o Senhor. Não ousamos conhecer alguém ou alguma coisa fora do Senhor, porque a Seu Senhorio, governo, e propósito são total. Uma matéria na escola que não seja sistematicamente bíblica é um inimigo oculto para a fé. O humanismo não tem lugar em nossos corações, igrejas, casas, ou salas de aula.

Fonte: Chalcedon Foundation. http://chalcedon.edu/research/articles/what-constitutes-a-christian-education/
 
Sobre o autor: Rev. RJ Rushdoony (1916-2001) foi o fundador da Chalcedon e um teólogo eminente, especialista Igreja/Estado, autor de numerosas obras sobre a aplicação da Lei bíblica para a sociedade.

domingo, 9 de agosto de 2015

Taxação Tirânica


Por Gary North

“E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos. Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia.” (1Sm 8.14-18)

O princípio teocêntrico aqui é Deus como o rei da sociedade israelita. Ele coletou um dízimo α eclesiástico da produção agricultural das terras rurais para o sustento dos levitas. A substituição por um rei demandaria o dízimo de tudo.

A. O Desejo de Centralização

Os israelitas havia se cansado de serem governados por juízes independentes. O texto não nos diz nada sobre o governo de Samuel desde o dia em que ele levou os israelitas à vitória contra a Filístia até sua velhice, quando ele indicou seus filhos para servir como juízes (1Sm 8.1). “Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele, antes se inclinaram à avareza, e aceitaram suborno, e perverteram o direito. Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, E disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações” (1Sm 8.3-5).

Os israelitas quiseram imitar as nações à sua volta. Eles quiseram um único governante civil representativo. Eles não quiseram mais um governo descentralizado liderado por juízes. Eles quiseram centralização. Isto era consistente com a história da nação. Eles preferiram uma única voz de autoridade civil. “Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti” (1Sm 8.6-8).

Deus disse a Samuel para avisá-los do que iria inevitavelmente resultar dessa centralização do poder civil. “Agora, pois, ouve à sua voz, porém protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles” (1Sm 8.9). Samuel então listou todos os males que viriam sobre eles. Dentre estes estavam taxas [impostos] mais altas.

B. Um Dízimo para o Rei

O rei iria aumentar os impostos. A nação pagaria a ele a décima part de sua produção (vv. 15, 17), e também seu capital seria confiscado: campos, vinhas, e olivais (v. 14). Isto seria em adição a qualquer coisa que eles estivessem pagando a magistrados civis locais. Eles não se importaram. Os israelitas ainda quiseram um rei. Moisés tinha profetizado isso. “Quando entrares na terra que te dá o Senhor teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim como têm todas as nações que estão em redor de mim...” (Dt 17.14).

Os israelitas haviam sofrido no Egito por uma tirania política centralizada. O Faraó da do tempo de José extraiu um imposto de renda de 20% (Gn 47.24-26).1 Este foi o juízo de Deus sobre o Egito. Eles adoraram um Faraó que clamava ser divino. Deus levantou José para dar aos egípcios um exemplo de tirania. Eles aprenderiam o que um suposto monarca divino poderia coletar em uma ordem política centralizada. Samuel avisou os israelitas de algo similar. Eles não se importaram. “Porém o povo não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei. E nós também seremos como todas as outras nações; e o nosso rei nos julgará, e sairá adiante de nós, e fará as nossas guerras” (1Sm 8.19-20). Eles quiseram um homem para fazer guerra em seu nome. O nome de Deus não foi suficiente. “Então o Senhor disse a Samuel: Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei. Então Samuel disse aos homens de Israel: Volte cada um à sua cidade” (1Sm 8.22).

O povo estava disposto a pagar a décima parte de sua renda a um rei. Eles estavam dispostos a pagar a um homem muito mais do que eles pagavam aos levitas. O dízimo levítico era a décima parte da produção agrícola. Isto os compensava por não possuir uma herança em propriedades rurais. Membros das outras tribos possuíam mais terra rural do que teria sido o caso se aos levitas não tivesse sido concedido o dízimo. Em contraste, o rei tomaria o dízimo de todos, fossem moradores da cidade ou moradores do campo. Ele tomaria mais do que uma tribo inteira recebia. O sacerdócio era sustentado por um dízimo colocado somente sobre os levitas: um por cento da produção rural de Israel.β O rei tomaria dez por cento. A realeza seria a instituição mais centralizada de Israel.

Quais benefícios um rei proveria? Liderança em tempo de guerra, respondeu o povo. O que mais? Nada que os juízes já não proviam totalmente. Os juízes proviam justiça civil. Eles proviam isso em uma base descentralizada. As pessoas poderiam se mudar para fora da jurisdição de um juiz caso ele se tornasse corrupto, assim como os filhos de Samuel se tornaram. Eles poderiam votar com seus pés. Eles não poderiam fazer isso quando um rei tomasse o controle do sistema sistema judicial e de sua aplicação.

Um juiz não poderia criar alianças internacionais baseadas em casamento. O rei poderia. Salomão fez isso mais tarde. As mulheres trouxeram seus deuses estrangeiros à casa do rei (1Rs 11). A Lei Mosaica proibia isto. “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie” (Dt 17.17a).

Um rei poderia acumular armas de guerra, incluindo cavalos e carros de guerra. A Lei Mosaica proibia isto. “Porém ele não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais voltareis por este caminho” (Dt 17.16).2

O povo não precisava seguir um juiz para uma guerra. Pelo menos três das tribos recusaram a ir quando Débora as chamou para a convocação (Jz 5.16-17). As tribos não poderiam facilmente escapar de uma guerra nacional iniciada por um rei.

Conclusão

Existe um desejo inato nos homens de ir para a guerra. “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” (Tg 4.1). Os israelitas quiseram um rei como as outras nações. Ele os levaria à batalha. Eles não ligavam para impostos elevados. Eles não ligavam para as preferências conjugais do rei. Eles quiseram estar aptos a se orgulhar das suas proezas militares nacionais. Para isso, eles precisavam de um rei. Este precisava de impostos. Eles estavam prontos a pagar.

Para o mundo moderno poder retornar ao nível de impostos do Faraó nos dias de José, governos teriam de cortar taxas e gastos em pelo menos 50% nas nações industriais de menor taxação. Eles precisariam cortar 75% para alcançar o nível de impostos que Samuel alertou contrariamente.

Eleitores podem reclamar de altos impostos, mas eles não se rebelam. Eles não substituem políticos de altos impostos por políticos de baixos impostos. Eles não percebem que, depois que a Primeira Guerra Mundial começou em 1914, o mundo entrou numa tirania de impostos. As nações livres são tiranias de impostos em comparação com o antigo Egito ou com qualquer reino antigo. Os eleitores não percebem isto, tão condicionados que estão pela educação financiada por impostos, que canta louvores ao moderno estado de bem-estar bélico-social.γ

Eleitores querem centralização. Eles querem estar orgulhosos de seu principal líder nacional. Deus avaliou esta preferência e atendeu ao pedido. “Mas vós tendes rejeitado hoje a vosso Deus, que vos livrou de todos os vossos males e trabalhos, e lhe tendes falado: Põe um rei sobre nós. Agora, pois, ponde-vos perante o Senhor, pelas vossas tribos e segundo os vossos milhares” (1Sm 10.19).

A Suíça tem mais longa tradição de liberdade política do que qualquer nação moderna. Ela não tem líder nacional. Tem um presidente rotativo que não possui poder independente e sai após um ano. Não há um chefe de estado. Há uma milícia cidadã descentralizada. A nação permanece neutra em guerras estrangeiras. Ela não começa guerras. É raramente invadida. O último período de não-neutralidade foi sob Napoleão (1798-1815). Hitler decidiu não invadi-la: um custo muito alto, não havia recompensa estratégica, e uma milícia descentralizada para combater nas montanhas, onde todas as pontes e túneis desabrochariam como uma estratégia defensiva. O governo nacional anunciou antecipadamente que qualquer anúncio de rendição pós-invasão deveria ser ignorado.3 A nação tem sido um paraíso fiscal. É rica. As únicas pessoas que tem medo da Suíça são os coletores de impostos de outras nações.

Traduzido por Willian Souza.
Revisado e editado por Matheus Henrique.



α N.T.: Por haver uma semelhança no português entre as palavras “dízimo” e “dizimar”, que podem assumir sentidos diferentes, alguém poderia entender este termo como sinônimo de “destruir”. No entanto, este não é (e não pode ser) o sentido correto do termo hebraico, que equivale a “décima parte”, “dez por cento”, ou seja, o sentido comum do uso da palavra “dízimo” no português. “Dizimará” equivale ao “will take the tithe”, no inglês, e ao “diezmará”, no espanhol. Conferir: < http://lexiconcordance.com/hebrew/6237.html >.

1 Gary North, Sovereignty and Dominion: An Economic Commentary on Genesis {Soberania e Domínio: Um Comentário Econômico em Genesis} (Dallas, Georgia: Point Five Press, 2012), ch. 35.

β N.T.: Caso não tenha ficado clara a diferença: (1º) um dízimo era aplicado sobre a produção rural das tribos como um todo, ou seja, 10% sobre a produção rural (total) de Israel; então, (2º) um outro dízimo era aplicado sobre a tribo dos levitas, ou seja, 10% em cima dos primeiros 10%. Este último, portanto, equivale a 1% sobre a produção agrícola (total) de Israel. Em suma: primeiro um dízimo sobre as tribos de Israel, sendo que isto iria para os levitas (porque não herdaram terras); segundo um dízimo sobre os levitas, sendo que este iria para os sacerdotes. Todas as tribos → 10% → levitas → 10% → sacerdotes.

2 Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy {Herança e Domínio: Um Comentário Econômico em Deuteronômio}, 2nd ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), ch. 42.

γ N.T.: O autor coloca aqui dois termos semelhantes: “welfare”, que é o estado de bem-estar (associado a políticas públicas que caracterizam-no); e “warfare”, que é algo como estado de guerra, estar em conflito. Fica assim: “modern welfare-warfare state”. 


3 Stephen P. Halbrook, Target Switzerland: Swiss Armed Neutrality in World War II {Mirando a Suíça: Neutralidade Armada Suíça na Segunda Guerra Mundial} (Rockville Centre, New York: Sarpedon, 1998), p. 95. Veja também seu discurso ao Clube Universitário de Nova Iorque, 21 de Julho, 1998. (http://bit.ly/SwissWW2)