quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que constitui a educação cristã?

Por R. J. Rushdoony

No que constitui a educação cristã? Às vezes, escolas Cristãs o são apenas de nome: são escolas humanísticas com a Bíblia adicionada a um curso de estudos humanísticos. É um erro grave assumir, em primeiro lugar, que haja qualquer assunto neutro que pode ser ensinado da mesma forma tanto por escolas Cristãs como por escolas humanistas. Acreditar nisso é negar a total soberania de Deus sobre todas as coisas. Isso significa que existem áreas em que o homem, e não Deus, é o Senhor. Não há nenhuma área de neutralidade em toda a criação. O que nós acreditamos determina a nossa perspectiva em matemática, história, biologia, geologia, arte, educação física, e tudo o mais. O Deus trino é totalmente o criador de todas as coisas e, portanto, totalmente seu Senhor e determinante. Todos os assuntos ou são ensinados a partir de uma perspectiva bíblica, teísta, ou eles são ensinados a partir de uma perspectiva humanista, centrada no homem.

Em segundo lugar, devemos lembrar que os fatos não são neutros, como Cornelius Van Til tão poderosamente nos ensinou. Antes de haver um fato, há uma fé. A fé interpreta e determina os fatos. Os "fatos" do universo são muito diferentes para um budista, um humanista existencial, e um cristão ortodoxo. Para o budista, tudo é ilusão e miséria; sua fé exige a negação do mundo e da vida. Maya e karma determinam todas as coisas. Para um humanista existencial, "fatos" têm apenas um significado puramente pessoal, o significado que cada um os atribui. Nem o homem nem a criação tem alguma essência, qualquer significado criado e predeterminado. O bem e o mal e todas as outras formas de significado são auto-gerados: são valores que eu atribuo às coisas nos termos da minha vontade. Nada tem qualquer significado advindo do ato criativo de Deus; todo o significado vem do ato criativo do homem.

No pensamento bíblico, entretanto, cada fato é criado por Deus e por Ele interpretado, de modo que o significado de toda a criação deve ser entendido em termos dEle e de Seu Reino. São Paulo deixa claro aos Coríntios que

Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum juízo humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo. Porque em nada me sinto culpado; mas nem por isso me considero justificado, pois quem me julga é o Senhor.  (1 Coríntios 4:3,4)

A palavra que Paulo usa para juiz é anakrino, "examinar, investigar e questionar". Paulo simplesmente diz que ele não tem o direito de examinar, informar-se sobre, investigar, questionar e julgar nada em termos de seus próprios padrões e testes. Da mesma forma, ele não tem respeito por todas e quaisquer julgamentos feitos sobre si mesmo. O único critério para investigação e julgamento é o Senhor e Sua palavra, e mesmo assim o julgamento completo e claro de Deus só será aparente clara e totalmente com o advento do Juízo Final (1 Cor. 4:5).

A implicação clara aqui e em outros lugares é que todo o estudo e investigação deve ser feito em termos da Palavra de Deus e do fato da soberania de Deus como criador, sustentador e Senhor.

Em terceiro lugar, não só a fé determina os fatos, mas a fé determina a mente. A filosofia humanística da educação dá prioridade à mente humanista. Intelectualismo é o determinante: é a verdadeira moralidade. Quanto maior o nível de educação humanística, supostamente o maior o nível de caráter moral será. A salvação é, deste modo, vista como a disseminação da educação e do conhecimento humanístico sobre toda a face da terra.

Para nós, no entanto, a disseminação da educação humanista é a disseminação do pecado e da apostasia. Para nós, a educação é ainda mais desejável do que para os humanistas, mas deve ser a educação piedosa e em termos de todo o conselho de Deus. Verdade para nós não são as ideias, crenças e fatos humanistas, mas Jesus Cristo (João 14:6), e para nós "a verdade tem como objetivo a bondade", e também o conhecimento verdadeiro. Um homem não pode ser santo ou moral fora de Jesus Cristo, nem pode um homem ter verdadeiro conhecimento à parte dEle.

Isto significa que livros cristãos são uma necessidade. Nós, como cristãos, somos membros de um outro reino, o reino de Deus. Nós vivemos, não em um universo sem sentido, cego, e evoluindo ao acaso, mas em um universo totalmente criado e governado por Deus, o Senhor. Não ousamos conhecer alguém ou alguma coisa fora do Senhor, porque a Seu Senhorio, governo, e propósito são total. Uma matéria na escola que não seja sistematicamente bíblica é um inimigo oculto para a fé. O humanismo não tem lugar em nossos corações, igrejas, casas, ou salas de aula.

Fonte: Chalcedon Foundation. http://chalcedon.edu/research/articles/what-constitutes-a-christian-education/
 
Sobre o autor: Rev. RJ Rushdoony (1916-2001) foi o fundador da Chalcedon e um teólogo eminente, especialista Igreja/Estado, autor de numerosas obras sobre a aplicação da Lei bíblica para a sociedade.

domingo, 9 de agosto de 2015

Taxação Tirânica


Por Gary North

“E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos. Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia.” (1Sm 8.14-18)

O princípio teocêntrico aqui é Deus como o rei da sociedade israelita. Ele coletou um dízimo α eclesiástico da produção agricultural das terras rurais para o sustento dos levitas. A substituição por um rei demandaria o dízimo de tudo.

A. O Desejo de Centralização

Os israelitas havia se cansado de serem governados por juízes independentes. O texto não nos diz nada sobre o governo de Samuel desde o dia em que ele levou os israelitas à vitória contra a Filístia até sua velhice, quando ele indicou seus filhos para servir como juízes (1Sm 8.1). “Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele, antes se inclinaram à avareza, e aceitaram suborno, e perverteram o direito. Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, E disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações” (1Sm 8.3-5).

Os israelitas quiseram imitar as nações à sua volta. Eles quiseram um único governante civil representativo. Eles não quiseram mais um governo descentralizado liderado por juízes. Eles quiseram centralização. Isto era consistente com a história da nação. Eles preferiram uma única voz de autoridade civil. “Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti” (1Sm 8.6-8).

Deus disse a Samuel para avisá-los do que iria inevitavelmente resultar dessa centralização do poder civil. “Agora, pois, ouve à sua voz, porém protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles” (1Sm 8.9). Samuel então listou todos os males que viriam sobre eles. Dentre estes estavam taxas [impostos] mais altas.

B. Um Dízimo para o Rei

O rei iria aumentar os impostos. A nação pagaria a ele a décima part de sua produção (vv. 15, 17), e também seu capital seria confiscado: campos, vinhas, e olivais (v. 14). Isto seria em adição a qualquer coisa que eles estivessem pagando a magistrados civis locais. Eles não se importaram. Os israelitas ainda quiseram um rei. Moisés tinha profetizado isso. “Quando entrares na terra que te dá o Senhor teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim como têm todas as nações que estão em redor de mim...” (Dt 17.14).

Os israelitas haviam sofrido no Egito por uma tirania política centralizada. O Faraó da do tempo de José extraiu um imposto de renda de 20% (Gn 47.24-26).1 Este foi o juízo de Deus sobre o Egito. Eles adoraram um Faraó que clamava ser divino. Deus levantou José para dar aos egípcios um exemplo de tirania. Eles aprenderiam o que um suposto monarca divino poderia coletar em uma ordem política centralizada. Samuel avisou os israelitas de algo similar. Eles não se importaram. “Porém o povo não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei. E nós também seremos como todas as outras nações; e o nosso rei nos julgará, e sairá adiante de nós, e fará as nossas guerras” (1Sm 8.19-20). Eles quiseram um homem para fazer guerra em seu nome. O nome de Deus não foi suficiente. “Então o Senhor disse a Samuel: Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei. Então Samuel disse aos homens de Israel: Volte cada um à sua cidade” (1Sm 8.22).

O povo estava disposto a pagar a décima parte de sua renda a um rei. Eles estavam dispostos a pagar a um homem muito mais do que eles pagavam aos levitas. O dízimo levítico era a décima parte da produção agrícola. Isto os compensava por não possuir uma herança em propriedades rurais. Membros das outras tribos possuíam mais terra rural do que teria sido o caso se aos levitas não tivesse sido concedido o dízimo. Em contraste, o rei tomaria o dízimo de todos, fossem moradores da cidade ou moradores do campo. Ele tomaria mais do que uma tribo inteira recebia. O sacerdócio era sustentado por um dízimo colocado somente sobre os levitas: um por cento da produção rural de Israel.β O rei tomaria dez por cento. A realeza seria a instituição mais centralizada de Israel.

Quais benefícios um rei proveria? Liderança em tempo de guerra, respondeu o povo. O que mais? Nada que os juízes já não proviam totalmente. Os juízes proviam justiça civil. Eles proviam isso em uma base descentralizada. As pessoas poderiam se mudar para fora da jurisdição de um juiz caso ele se tornasse corrupto, assim como os filhos de Samuel se tornaram. Eles poderiam votar com seus pés. Eles não poderiam fazer isso quando um rei tomasse o controle do sistema sistema judicial e de sua aplicação.

Um juiz não poderia criar alianças internacionais baseadas em casamento. O rei poderia. Salomão fez isso mais tarde. As mulheres trouxeram seus deuses estrangeiros à casa do rei (1Rs 11). A Lei Mosaica proibia isto. “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie” (Dt 17.17a).

Um rei poderia acumular armas de guerra, incluindo cavalos e carros de guerra. A Lei Mosaica proibia isto. “Porém ele não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais voltareis por este caminho” (Dt 17.16).2

O povo não precisava seguir um juiz para uma guerra. Pelo menos três das tribos recusaram a ir quando Débora as chamou para a convocação (Jz 5.16-17). As tribos não poderiam facilmente escapar de uma guerra nacional iniciada por um rei.

Conclusão

Existe um desejo inato nos homens de ir para a guerra. “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” (Tg 4.1). Os israelitas quiseram um rei como as outras nações. Ele os levaria à batalha. Eles não ligavam para impostos elevados. Eles não ligavam para as preferências conjugais do rei. Eles quiseram estar aptos a se orgulhar das suas proezas militares nacionais. Para isso, eles precisavam de um rei. Este precisava de impostos. Eles estavam prontos a pagar.

Para o mundo moderno poder retornar ao nível de impostos do Faraó nos dias de José, governos teriam de cortar taxas e gastos em pelo menos 50% nas nações industriais de menor taxação. Eles precisariam cortar 75% para alcançar o nível de impostos que Samuel alertou contrariamente.

Eleitores podem reclamar de altos impostos, mas eles não se rebelam. Eles não substituem políticos de altos impostos por políticos de baixos impostos. Eles não percebem que, depois que a Primeira Guerra Mundial começou em 1914, o mundo entrou numa tirania de impostos. As nações livres são tiranias de impostos em comparação com o antigo Egito ou com qualquer reino antigo. Os eleitores não percebem isto, tão condicionados que estão pela educação financiada por impostos, que canta louvores ao moderno estado de bem-estar bélico-social.γ

Eleitores querem centralização. Eles querem estar orgulhosos de seu principal líder nacional. Deus avaliou esta preferência e atendeu ao pedido. “Mas vós tendes rejeitado hoje a vosso Deus, que vos livrou de todos os vossos males e trabalhos, e lhe tendes falado: Põe um rei sobre nós. Agora, pois, ponde-vos perante o Senhor, pelas vossas tribos e segundo os vossos milhares” (1Sm 10.19).

A Suíça tem mais longa tradição de liberdade política do que qualquer nação moderna. Ela não tem líder nacional. Tem um presidente rotativo que não possui poder independente e sai após um ano. Não há um chefe de estado. Há uma milícia cidadã descentralizada. A nação permanece neutra em guerras estrangeiras. Ela não começa guerras. É raramente invadida. O último período de não-neutralidade foi sob Napoleão (1798-1815). Hitler decidiu não invadi-la: um custo muito alto, não havia recompensa estratégica, e uma milícia descentralizada para combater nas montanhas, onde todas as pontes e túneis desabrochariam como uma estratégia defensiva. O governo nacional anunciou antecipadamente que qualquer anúncio de rendição pós-invasão deveria ser ignorado.3 A nação tem sido um paraíso fiscal. É rica. As únicas pessoas que tem medo da Suíça são os coletores de impostos de outras nações.

Traduzido por Willian Souza.
Revisado e editado por Matheus Henrique.



α N.T.: Por haver uma semelhança no português entre as palavras “dízimo” e “dizimar”, que podem assumir sentidos diferentes, alguém poderia entender este termo como sinônimo de “destruir”. No entanto, este não é (e não pode ser) o sentido correto do termo hebraico, que equivale a “décima parte”, “dez por cento”, ou seja, o sentido comum do uso da palavra “dízimo” no português. “Dizimará” equivale ao “will take the tithe”, no inglês, e ao “diezmará”, no espanhol. Conferir: < http://lexiconcordance.com/hebrew/6237.html >.

1 Gary North, Sovereignty and Dominion: An Economic Commentary on Genesis {Soberania e Domínio: Um Comentário Econômico em Genesis} (Dallas, Georgia: Point Five Press, 2012), ch. 35.

β N.T.: Caso não tenha ficado clara a diferença: (1º) um dízimo era aplicado sobre a produção rural das tribos como um todo, ou seja, 10% sobre a produção rural (total) de Israel; então, (2º) um outro dízimo era aplicado sobre a tribo dos levitas, ou seja, 10% em cima dos primeiros 10%. Este último, portanto, equivale a 1% sobre a produção agrícola (total) de Israel. Em suma: primeiro um dízimo sobre as tribos de Israel, sendo que isto iria para os levitas (porque não herdaram terras); segundo um dízimo sobre os levitas, sendo que este iria para os sacerdotes. Todas as tribos → 10% → levitas → 10% → sacerdotes.

2 Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy {Herança e Domínio: Um Comentário Econômico em Deuteronômio}, 2nd ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), ch. 42.

γ N.T.: O autor coloca aqui dois termos semelhantes: “welfare”, que é o estado de bem-estar (associado a políticas públicas que caracterizam-no); e “warfare”, que é algo como estado de guerra, estar em conflito. Fica assim: “modern welfare-warfare state”. 


3 Stephen P. Halbrook, Target Switzerland: Swiss Armed Neutrality in World War II {Mirando a Suíça: Neutralidade Armada Suíça na Segunda Guerra Mundial} (Rockville Centre, New York: Sarpedon, 1998), p. 95. Veja também seu discurso ao Clube Universitário de Nova Iorque, 21 de Julho, 1998. (http://bit.ly/SwissWW2)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Sobre o Brasileiro condenado à morte na Indonésia


Ontem foi executado, por um pelotão de fuzilamento da Indonésia, o brasileiro Marco Acher, acusado de tráfico de drogas. Como é de se esperar, não faltaram opiniões pipocando pela internet. Algumas delas partiram de Cristãos professos e seu conteúdo me preocupa um pouco. Sendo assim, resolvi fazer um breve comentário sobre alguns posicionamentos comuns quanto ao caso:

1) "Sou contra a pena de morte..."

Aqueles que condenam o ato do governo indonésio pelo simples fato de serem contra a pena capital estão raciocinando em desacordo com os princípios da Escritura Sagrada. Apóstolo São Paulo nos ensina que devemos submeter "todo o entendimento à obediência de Cristo" (2 Coríntios 10:5). Desta forma, nossa fé não apenas nos ensina sobre a salvação, mas, deve nos guiar em todo o nosso raciocínio. A fé na Revelação divina é o princípio de toda a sabedoria e conhecimento. É impossível conhecer sem, primeiro, crer. Dito isto, o Cristão deve, então, se perguntar o que Deus pensa da pena de morte e, somente depois de obter esta resposta, formular sua opinião e determinar seus sentimentos quanto ao assunto.

À pergunta “o que a bíblia diz sobre a pena de morte?” deve-se responder: que ela é legítima de ser aplicada pelo governo civil em certos casos. Ponto. O Deus que deu a lei no monte Sinai ao povo de Israel deu-a por completo. Deus-a para governar todos os assuntos humanos, em todos os locais e em todas as épocas. Assim, a lei de Deus não apenas refere-se a nós como indivíduos mas, também, governa e rege as famílias, as igrejas, a cultura, a economia e, claro, o estado e as punições civis. O primeiro e mais evidente caso em que Deus requer que o estado puna um criminoso com a pena de morte é o caso do homicídio, pois assim fora dito a Noé, a saber, que “quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.” (Gênesis 9:6). Além disso, falou ao povo de Israel que “se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra.” (Êxodo 21:14)

Quanto a todas essas evidências, o Cristão moderno, acostumado a responder emotivamente a questões como esta que nos é posta, dirá que essas imposições eram apenas para o povo da Antiga Aliança, coisas do Antigo Testamento, rudimentos da época da lei. Pois bem, se é assim, isto é, se é verdade que o Novo Testamento anulou as leis civis do Velho, eu pergunto: o que é que ele pôs em seu lugar? Esta pergunta é por demais pertinente, porquanto não existe vácuo moral em assunto algum. Certamente que algum princípio de legitimidade deve reger, hoje, os governos civis. A pergunta é: qual? Muitos não sabem responder a esta pergunta. Outros, infelizmente, se apressarão em responder que o princípio que rege o governo civil no Novo Testamento é o amor. Dirão, em favor de sua opinião, que Jesus ensinou isso ao anular a pena capital para o caso de adultério, pois lemos do apóstolo João que:

Jesus, porém, foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8:1-11)

Há muito que se possa dizer sobre este texto. Eu limito-me a argumentar da seguinte maneira: se Jesus está aqui anulando a lei que punia o crime de adultério com pena de morte (Deuteronômio 17:7), e, mas, a está substituindo por outra lei, qual seja, a lei do amor, então isto inevitavelmente nos leva a um anarquismo, sim, pois, se é necessário alguém sem pecado algum para infligir uma pena civil e se crime tão grave como o adultério deveria ser perdoado pelos magistrados, por que deveria ele condenar crimes menores ou de gravidade semelhante como o roubo, a agressão física ou o homicídio? Segue-se, assim, que nenhuma pena pode ser aplicada a criminoso algum e, portanto, não faz sentido haver governo civil. Tal absurdo, qualquer crente deve prontamente reconhecer, está em desacordo com os demais princípios bíblicos que governam o governo, mesmo princípios do Novo Testamento, pois não lemos São Paulo dizer que os magistrados civis são ministros do amor e da misericórdia, mas que ele, o magistrado, é “vingador para castigar o que faz o mal.” (Romanos 13:4). O que Jesus estava ensinando no caso da mulher adúltera é, basicamente, que um julgamento civil deve ser feito com justiça ilibada em todos os seus detalhes, conforme manda a lei. O julgamento ali era injusto pois não fora feito conforme manda a lei. Evidência disso é, por exemplo, a ausência do homem adúltero, pois, afinal, o adultério fora cometido por ambos.

Vimos assim que não há base exegética para afirmarmos que o Novo Testamento anula a lei civil que Deus deu por meio de Moisés, ao contrário, há textos que o confirmam (Romanos 1:32, Mateus 15:4). O que deve crer, então, o Cristão? Deve crer que a pena de morte é legítima pois fora instituída por Deus. Deve crer que o governo civil tem direito e dever de aplicá-la nos casos prescritos pela lei de Deus. Deve crer que isto, e nada mais, nada menos, é justiça verdadeira, pois emana dos justos decretos de Deus.

2) “..., mas ele sabia das leis daquele país.”

Outro tipo de opinião que observei quanto a este caso é esta: que o brasileiro Marco Asher conhecia as leis daquele país e, portanto, sua pena foi justamente aplicada. Tal opinião revela uma crença mais sutil e, creio, mais perigosa que a anterior. É a crença no direito do estado como legislador absoluto. Os que assim crêem são Cristãos que, baseando-se normalmente em Romanos 13, concluem que nós devemos aceitar qualquer punição ou legislação que o estado passar. Assim, se algo foi escrito num papel e assinado por um magistrado civil, tal é lei legítima e deve ser obedecido e aceito pelos cidadãos. Esta é uma pressuposição perigosíssima, pois dá ao estado, quer queriam ou não, poderes divinos, pois somente Deus é o legislador supremo. As ações do estado são sujeitas ao julgamento por Deus da mesma maneira que o são as ações individuais. Leis assinadas pelo estado que não são prescritas ou autorizadas por Deus devem receber não menos que nosso ódio e desprezo e devemos fazer de tudo quanto estiver ao nosso alcance para anulá-las.

Pense bem: se devemos aceitar como justa a punição dada pela Indonésia ao senhor Asher pelo simples fato dele ter conhecimento das leis daquele país, então deveríamos aceitar como justas as mortes de judeus e outros povos pelo governo nazista, pelo simples fato de que estas eram as leis daquele país? As leis alemãs da era nazista proibiam que qualquer um escondesse um judeu em sua casa. Deveríamos supor que um cidadão alemão que, sendo preso por ajudar um pobre judeu em fuga do campo de concentração, teria uma punição justa porque ele sabia das leis de seu país? Creio que, pondo as coisas desta maneira, fica evidente o quão tola é esta opinião.

3) “ele era traficante, e as drogas que traficavam iriam destruir famílias.”

Que as drogas destroem famílias, isto é um fato que não se pode negar. Porém, não se pode negar, também, que o álcool, uma droga lícita no Brasil e em boa parte do mundo, também destrói famílias. Nem podemos negar, ainda, que Deus autoriza e abençoa o uso do álcool pelo eu povo, como fonte de alegria e diversão (Deuteronômio 14:26). Não se pode negar, além disso, que carros, computadores, sexo e outras coisas mais que Deus criou, ou que o homem desenvolveu pelo seu intelecto, são também o meio pelo qual a maldade inata ao homem traz muitos problemas. A questão que deve ser posta aqui é: o estado tem autorização divina para proibir a circulação e uso de drogas? A resposta é não. Outra pergunta ainda se faz necessária: mesmo que o estado tivesse tal autoridade, poderia ele punir com a morte aqueles que desobedecessem? Também, para esta pergunta, a reposta é não.

O Cristão é governado, em todas as suas ações e pensamentos pela lei de Deus. Nós não estamos autorizados a ter opiniões contrárias ao mandamento sagrado ou, ainda, a raciocinar de forma contrária à lei. Dito isto, devemos concluir, a respeito somente da punição aplicada pelo estado indonésio, que ela é injusta, ainda que possamos abominar o ato que praticou o brasileiro Marco Asher.