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domingo, 18 de janeiro de 2015

Sobre o Brasileiro condenado à morte na Indonésia


Ontem foi executado, por um pelotão de fuzilamento da Indonésia, o brasileiro Marco Acher, acusado de tráfico de drogas. Como é de se esperar, não faltaram opiniões pipocando pela internet. Algumas delas partiram de Cristãos professos e seu conteúdo me preocupa um pouco. Sendo assim, resolvi fazer um breve comentário sobre alguns posicionamentos comuns quanto ao caso:

1) "Sou contra a pena de morte..."

Aqueles que condenam o ato do governo indonésio pelo simples fato de serem contra a pena capital estão raciocinando em desacordo com os princípios da Escritura Sagrada. Apóstolo São Paulo nos ensina que devemos submeter "todo o entendimento à obediência de Cristo" (2 Coríntios 10:5). Desta forma, nossa fé não apenas nos ensina sobre a salvação, mas, deve nos guiar em todo o nosso raciocínio. A fé na Revelação divina é o princípio de toda a sabedoria e conhecimento. É impossível conhecer sem, primeiro, crer. Dito isto, o Cristão deve, então, se perguntar o que Deus pensa da pena de morte e, somente depois de obter esta resposta, formular sua opinião e determinar seus sentimentos quanto ao assunto.

À pergunta “o que a bíblia diz sobre a pena de morte?” deve-se responder: que ela é legítima de ser aplicada pelo governo civil em certos casos. Ponto. O Deus que deu a lei no monte Sinai ao povo de Israel deu-a por completo. Deus-a para governar todos os assuntos humanos, em todos os locais e em todas as épocas. Assim, a lei de Deus não apenas refere-se a nós como indivíduos mas, também, governa e rege as famílias, as igrejas, a cultura, a economia e, claro, o estado e as punições civis. O primeiro e mais evidente caso em que Deus requer que o estado puna um criminoso com a pena de morte é o caso do homicídio, pois assim fora dito a Noé, a saber, que “quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.” (Gênesis 9:6). Além disso, falou ao povo de Israel que “se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra.” (Êxodo 21:14)

Quanto a todas essas evidências, o Cristão moderno, acostumado a responder emotivamente a questões como esta que nos é posta, dirá que essas imposições eram apenas para o povo da Antiga Aliança, coisas do Antigo Testamento, rudimentos da época da lei. Pois bem, se é assim, isto é, se é verdade que o Novo Testamento anulou as leis civis do Velho, eu pergunto: o que é que ele pôs em seu lugar? Esta pergunta é por demais pertinente, porquanto não existe vácuo moral em assunto algum. Certamente que algum princípio de legitimidade deve reger, hoje, os governos civis. A pergunta é: qual? Muitos não sabem responder a esta pergunta. Outros, infelizmente, se apressarão em responder que o princípio que rege o governo civil no Novo Testamento é o amor. Dirão, em favor de sua opinião, que Jesus ensinou isso ao anular a pena capital para o caso de adultério, pois lemos do apóstolo João que:

Jesus, porém, foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8:1-11)

Há muito que se possa dizer sobre este texto. Eu limito-me a argumentar da seguinte maneira: se Jesus está aqui anulando a lei que punia o crime de adultério com pena de morte (Deuteronômio 17:7), e, mas, a está substituindo por outra lei, qual seja, a lei do amor, então isto inevitavelmente nos leva a um anarquismo, sim, pois, se é necessário alguém sem pecado algum para infligir uma pena civil e se crime tão grave como o adultério deveria ser perdoado pelos magistrados, por que deveria ele condenar crimes menores ou de gravidade semelhante como o roubo, a agressão física ou o homicídio? Segue-se, assim, que nenhuma pena pode ser aplicada a criminoso algum e, portanto, não faz sentido haver governo civil. Tal absurdo, qualquer crente deve prontamente reconhecer, está em desacordo com os demais princípios bíblicos que governam o governo, mesmo princípios do Novo Testamento, pois não lemos São Paulo dizer que os magistrados civis são ministros do amor e da misericórdia, mas que ele, o magistrado, é “vingador para castigar o que faz o mal.” (Romanos 13:4). O que Jesus estava ensinando no caso da mulher adúltera é, basicamente, que um julgamento civil deve ser feito com justiça ilibada em todos os seus detalhes, conforme manda a lei. O julgamento ali era injusto pois não fora feito conforme manda a lei. Evidência disso é, por exemplo, a ausência do homem adúltero, pois, afinal, o adultério fora cometido por ambos.

Vimos assim que não há base exegética para afirmarmos que o Novo Testamento anula a lei civil que Deus deu por meio de Moisés, ao contrário, há textos que o confirmam (Romanos 1:32, Mateus 15:4). O que deve crer, então, o Cristão? Deve crer que a pena de morte é legítima pois fora instituída por Deus. Deve crer que o governo civil tem direito e dever de aplicá-la nos casos prescritos pela lei de Deus. Deve crer que isto, e nada mais, nada menos, é justiça verdadeira, pois emana dos justos decretos de Deus.

2) “..., mas ele sabia das leis daquele país.”

Outro tipo de opinião que observei quanto a este caso é esta: que o brasileiro Marco Asher conhecia as leis daquele país e, portanto, sua pena foi justamente aplicada. Tal opinião revela uma crença mais sutil e, creio, mais perigosa que a anterior. É a crença no direito do estado como legislador absoluto. Os que assim crêem são Cristãos que, baseando-se normalmente em Romanos 13, concluem que nós devemos aceitar qualquer punição ou legislação que o estado passar. Assim, se algo foi escrito num papel e assinado por um magistrado civil, tal é lei legítima e deve ser obedecido e aceito pelos cidadãos. Esta é uma pressuposição perigosíssima, pois dá ao estado, quer queriam ou não, poderes divinos, pois somente Deus é o legislador supremo. As ações do estado são sujeitas ao julgamento por Deus da mesma maneira que o são as ações individuais. Leis assinadas pelo estado que não são prescritas ou autorizadas por Deus devem receber não menos que nosso ódio e desprezo e devemos fazer de tudo quanto estiver ao nosso alcance para anulá-las.

Pense bem: se devemos aceitar como justa a punição dada pela Indonésia ao senhor Asher pelo simples fato dele ter conhecimento das leis daquele país, então deveríamos aceitar como justas as mortes de judeus e outros povos pelo governo nazista, pelo simples fato de que estas eram as leis daquele país? As leis alemãs da era nazista proibiam que qualquer um escondesse um judeu em sua casa. Deveríamos supor que um cidadão alemão que, sendo preso por ajudar um pobre judeu em fuga do campo de concentração, teria uma punição justa porque ele sabia das leis de seu país? Creio que, pondo as coisas desta maneira, fica evidente o quão tola é esta opinião.

3) “ele era traficante, e as drogas que traficavam iriam destruir famílias.”

Que as drogas destroem famílias, isto é um fato que não se pode negar. Porém, não se pode negar, também, que o álcool, uma droga lícita no Brasil e em boa parte do mundo, também destrói famílias. Nem podemos negar, ainda, que Deus autoriza e abençoa o uso do álcool pelo eu povo, como fonte de alegria e diversão (Deuteronômio 14:26). Não se pode negar, além disso, que carros, computadores, sexo e outras coisas mais que Deus criou, ou que o homem desenvolveu pelo seu intelecto, são também o meio pelo qual a maldade inata ao homem traz muitos problemas. A questão que deve ser posta aqui é: o estado tem autorização divina para proibir a circulação e uso de drogas? A resposta é não. Outra pergunta ainda se faz necessária: mesmo que o estado tivesse tal autoridade, poderia ele punir com a morte aqueles que desobedecessem? Também, para esta pergunta, a reposta é não.

O Cristão é governado, em todas as suas ações e pensamentos pela lei de Deus. Nós não estamos autorizados a ter opiniões contrárias ao mandamento sagrado ou, ainda, a raciocinar de forma contrária à lei. Dito isto, devemos concluir, a respeito somente da punição aplicada pelo estado indonésio, que ela é injusta, ainda que possamos abominar o ato que praticou o brasileiro Marco Asher.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Governos Legítimos



Por Gary North [1]

“Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo.
Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.” (Rm 13.1-7, ACF)

O princípio teocêntrico que sustenta esses preceitos é Deus como a suprema autoridade: hierarquia.[2] No topo da pirâmide do poder institucional está Deus, que delega autoridade aos homens.

A. Autoridades Plurais

Paulo fala de poderes superiores. A Concordância Strong definiu a palavra grega exousia como segue: “(no sentido de habilidade); privilégio, i.e. (subj.) força, capacidade, competência, liberdade, ou (obj.) maestria (concr. magistrado, super-humano, potentado, símbolo de controle), influência delegada: autoridade, jurisdição, liberdade, poder, direito, força.”[3] Isto significa, basicamente, autoridades legítimas. Existem mais do que uma. Não há hierarquia única nesta vida. Deus criou jurisdições competitivas com o fim de eliminar a possibilidade de uma tirania centralizada absoluta. “E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade.” (Gn 11.6-8, ACF).[4] Um governo civil nacional ou império nacional sempre tem encontrado competição: de governos civis estrangeiros, governos civis locais, famílias, grupos dinásticos, igrejas, associações voluntárias, e negócios.[5]
Paulo diz aqui que autoridades legítimas merecem obediência. Ele não diz ou implica que existe somente uma autoridade institucional legítima que deve ser obedecida. Em sua confrontação com o sumo sacerdote, ele deixou esse ponto claro. Mesmo sendo ele um apóstolo e estando em posse de autoridade legítima, ele não desafiou deliberadamente o sumo sacerdote. “Mas o sumo sacerdote, Ananias, mandou aos que estavam junto dele que o ferissem na boca. Então Paulo lhe disse: Deus te ferirá, parede branqueada; tu estás aqui assentado para julgar-me conforme a lei, e contra a lei me mandas ferir? E os que ali estavam disseram: Injurias o sumo sacerdote de Deus? E Paulo disse: Não sabia, irmãos, que era o sumo sacerdote; porque está escrito: Não dirás mal do príncipe do teu povo.” (At 23.2-5). Paulo honrou legítimas autoridades. Mas quando uma autoridade pudesse ser usada para contrabalançar outra, Paulo as colocava em competição para ganhar sua liberdade. “E Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus e outra de fariseus, clamou no conselho: homens irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu; no tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado. E, havendo dito isto, houve dissensão entre os fariseus e saduceus; e a multidão se dividiu.” (At 23.6-7). O partido dos Saduceus, que negava a ressurreição corporal, estava associado ao sacerdócio do templo. As palavras de Paulo aos Fariseus imediatamente minaram o poder de Ananias para processar Paulo legalmente usando-se da autoridade do sacerdócio.
Nenhum poder é estabelecido na terra que não seja estabelecido por Deus. Neste ponto, Paulo é claro. “Porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus” (v. 1). Esta frase inglês[6] - “as potestades que há” - vem ao longo dos séculos sendo usada para descrever as supremas autoridades numa sociedade. Por consequência, obediência a elas é biblicamente obrigatório. “Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (v. 2). Porque Deus estabeleceu autoridades para governar sobre os homens, desses é requerido, por Deus, que lhas obedeçam.
Paulo viveu sob o governo de Nero, um tirano sob todos os aspectos. Mesmo assim, ele escreve: “Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem” (v. 4). Cristãos devem fazer boas obras, recebendo louvor dos seus governantes. Deus tem estabelecido governantes em posições de autoridade para serem um terror aos malfeitores. Deixe que esses governantes devotem seus esforços para derrotar seus inimigos, não que procurem cristãos rebeldes para perseguir legalmente.
Existem governantes que são eles mesmos maus e aliados com homens perversos. Não obstante, Paulo diz para obedecê-los. O objetivo dos governantes é defender a ordem social. Todo governo tem regras. Ele impõe padrões com suas sanções.[7] Muitos governantes civis querem mais autoridade para si mesmos. Eles querem que as coisas andem devagar. Deus colocou na natureza humana o desejo de viver num mundo previsível. Quanto mais próximas da retidão as leis civis forem, maior a cooperação voluntária que os governantes vão ganhar dos seus subordinados. Governantes não podem mandar sem que aqueles que se subordinam cooperem voluntariamente. Se todos se recusarem a obedecer a lei, não haverá polícia suficiente para fazê-la valer. Esse é o motivo pelo qual governantes punem uma figura representativa. Isso manda uma mensagem ao público: “Se você não obedecer, e todos os demais obedecerem, nós pegaremos você.” Mas então vem o dia em que muitas pessoas têm uma chance e deliberadamente desobedecem a lei. Elas se recusam a cooperar com o governo civil. Neste dia, a ilusão do estado onipotente termina.
A igreja primitiva viveu debaixo de uma tirania civil pagã. Roma ordenava a idolatria como um meio de estender o poder do império. Seu sistema politeísta de governo civil buscou unidade intercultural pela divinização do imperador. Mas os cristãos se recusavam a oferecer sacrifícios públicos para “o gênio do imperador”, porque entendiam a teologia dos impérios antigos: a divinização do homem e do estado. Por esta rebelião, eles foram intermitentemente perseguidos por cerca de três séculos. Eles não se rebelaram pegando em armas. Eles meramente se recusavam a participar numa falsa adoração. Ao longo do tempo, eles ganharam reputação por serem bons cidadãos e subordinados confiáveis. No século quatro, eles herdaram o império Romano. Eles serviram sob tirania, e se tornaram governantes quando essa tirania colapsou no caos da guerra civil e da bancarrota. Desobediência não-violenta à autoridade civil neste único ponto eventualmente deu aos cristãos a autoridade civil. À parte isto, eles eram obedientes. Este é um princípio bíblico de autoridade, que aquele que quer governar deve primeiro servir. Jesus disse a seus discípulos, “Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve.” (Lc 22.25-26).[8] Mas há outro princípio de autoridade bíblica. “Porém, respondendo Pedro e os apóstolos, disseram: Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” (At 5.29). Ambos os princípios devem ser honrados. Ambos os princípios devem ser intelectualmente defendidos pelos guardadores do pacto. Ambos devem ser honrados pelo rebanho.

B. A Legitimidade dos Governos

A discussão de Paulo sobre autoridades institucionais segue-se após uma passagem que desafia a vingança pessoal. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor” (Rm 12.19). Se a vingança pessoal é errada, então como Deus traz vingança na história? Através do governo civil. O texto não diz que vingança é errado. Diz que Deus possui autoridade final para impor vingança. Ele delegou a autoridade de impor vingança física a dois governos: civil e familiar. Pedro concordou com Paulo neste ponto: “Sujeitai-vos, pois, a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior, quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus. Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei. Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus. Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente” (1Pe 2.13-19).
Nem Pedro nem Paulo demandam obediência ao governo civil ao custo da obediência a outros governos legítimos. De novo, Pedro explicitamente disse aos líderes judeus, “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29b). Ainda que tivessem autoridade para castigá-lo, o que fizeram (At 5.40). Ele se submeteu ao castigo, mas não à sua ordem de parar de pregar o evangelho. Ele desobedeceu, mas ele se submeteu às sanções por causa da sua desobediência. Assim também fez Paulo.
A questão é: Pedro e Paulo conscientemente agiram dentro do sistema legal romano existente. Paulo entendia a lei romana, e como um cidadão romano, a invocou. “Todavia Festo, querendo comprazer aos judeus, respondendo a Paulo, disse: Queres tu subir a Jerusalém, e ser lá perante mim julgado acerca destas coisas? Mas Paulo disse: Estou perante o tribunal de César, onde convém que seja julgado; não fiz agravo algum aos judeus, como tu muito bem sabes. Se fiz algum agravo, ou cometi alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas, se nada há das coisas de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César” (At 25.9-11). Suas palavras, “não recuso morrer”, afirmaram a legitimidade do governo civil, incluindo a pena capital. Mas, ao mesmo tempo, ele apelou para César para escapar da jurisdição de Festo, que Paulo acreditou que estava agindo a favor dos judeus. Isso foi consistente com sua afirmação da função ministerial dos magistrados civis.
O anarco-capitalista rejeita todas as formas de governo civil. Ele pode apontar para todo tipo de taxa como uma distorção do livre mercado.[9] Ele vê o mercado como legitimamente autônomo. Mas então vêm os problemas da violência e do pecado. Como estes podem ser previsivelmente contidos? A resposta bíblica é governo, incluindo governo civil. Num mundo anarco-capitalista de exércitos privados visando o lucro, o resultado é a sociedade de senhores da guerra. Exércitos privados militarmente bem-sucedidos vão sempre procurar por estabelecer seu mandato monopolista matando a competição, literalmente. Governos civis sempre reaparecem. Eles são um dos quatro sistemas de governo ordenados por Deus: governo próprio, governo eclesiástico, governo familiar e governo civil. Todos os quatro estão selados por um juramento. Todos os quatro envolvem sanções.
Cristãos não podem legitimamente adotar o programa libertário de um mundo sem governo civil. O pecado demanda governo civil e sanções civis. O direito de governantes civis de impor punições físicas é claramente afirmado por Paulo em Atos 25. Ele afirma em Romanos 13 a legitimidade do governo civil entre outros governos legítimos. Ele diz que os governantes são ordenados por Deus como seus ministros. Esta é uma linguagem forte. Ela invoca autoridade de Deus ao lado do estado. Se Paulo está correto, então anarco-capitalismo está errado. Não há saída para isso.

C. Crime versus a Divisão do Trabalho

A ameaça de crime força os homens a alocar recursos econômicos escassos para a defesa contra criminosos. O estado é a instituição primária de prevenção ao crime. O estado impõe sanções negativas em criminosos convictos. O objetivo é encorajar a justiça por meio do medo. “E os juízes inquirirão bem; e eis que, sendo a testemunha falsa, que testificou falsamente contra seu irmão, Far-lhe-eis como cuidou fazer a seu irmão; e assim tirarás o mal do meio de ti. Para que os que ficarem o ouçam e temam, e nunca mais tornem a fazer tal mal no meio de ti. O teu olho não perdoará; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Dt 19.18-21).[10] O medo aumenta o custo do comportamento criminoso. Como o economista diz, quando o custo de algo aumenta, tudo mais permanecendo igual, a demanda diminui.[11] Este é o objetivo de sanções civis negativas: menos crime.
O gasto com prevenção ao crime reduz a riqueza dos homens. Eles acreditam que este gasto previne uma redução ainda maior de sua riqueza por culpa de criminosos. O custo da cooperação é mais custoso para os homens quando o crime aumenta. Suas vidas e propriedade são menos seguras. Isto faz com que maiores precauções sejam tomadas sobre a entrada em empreendimentos cooperativos com pessoas que eles não conhecem bem. Os custos de informação de lidar com estranhos é alto, e algumas pessoas escolhem não assumir esses riscos extras. Por causa do pecado, a divisão do trabalho é reduzida. Atividades de prevenção ao crime são meios de remover risco e aumentar o nível de cooperação. Autoridades institucionais procuram reduzir o crime pela imposição de sanções negativas aos transgressores da lei.
Para maximizar a divisão do trabalho num mundo de pecado, o estado deve impor sanções negativas somente àqueles que quebram a lei, biblicamente definida. Pela adição de leis que vão além da Bíblia, ou mesmo contra ela, governantes civis diminuem a divisão do trabalho. Legisladores e burocratas que vão além da Bíblia na busca de acabar com atividades ilegais tornam mais cara para as pessoas a cooperação voluntária para estas alcançarem seus fins. Isto reduz a divisão do trabalho. Isto por consequência reduz a riqueza das pessoas. O estado, assim, produz a mesma condição que os criminosos produzem. A diferença é, bons homens sentem-se justificados em defender a si mesmos contra criminosos. Eles sentem-se muito menos justificados em defender a si mesmos contra o estado. O estado predador pode se tornar tão grande ameaça à cooperação social e econômica quanto a classe criminosa predadora. Em alguns casos, o próprio estado alia-se à classe criminosa.[12]

Conclusão

Paulo fala da ilegitimidade da vingança pessoal. Ele não nega a legitimidade da vingança em si. Ele diz que Deus restringiu a vingança aos governos civis legítimos. O poder civil é encarregado de conter violência pessoal imprevisível, contendas familiaresδ, e guerras de gangues.
O livre mercado não é autônomo. É uma extensão do indivíduo ou da família, ambos os quais operam debaixo da lei civil. O livre mercado está debaixo da lei civil. Lei civil é pactualmente superior ao livre mercado. O pacto civil estabelece as condições para o livre mercado modelando o comportamento e atitudes públicos. Lei civil é aplicada por governantes que são ministros de Deus. Taxação em si não é roubo, contrariamente a alguns teóricos libertários. Muitas formas de taxação são roubo, e todos os níveis acima do décimo  com certeza são (1Sm 8.15, 17), mas não todas. Autoridades legítimas têm direito ao suporte econômico. Taxação suporta o estado.
Paulo conclama os cristãos a obedecerem autoridades legítimas. Isso pode significar desafiar uma autoridade em nome de outra. Autoridades estão em alguma extensão em competição uma com a outra. Não é ilegal colocar uma contra a outra, como a tática de Paulo em Atos indica. Liberdade é, às vezes, adquirida pelo uso de uma autoridade para reduzir o poder de outra. Paulo usou a lei romana para minar o desejo de Festo de agradar os judeus. Ele legalmente removeu a si mesmo da jurisdição de Festo. Um sistema legal não deve ser permissão para se tornar monolítico.





[1]     NORTH, Gary. Cooperation and Dominion: An Economic Commentary on Romans, chapter 11 (“Cooperação e Domínio: Um Comentário Econômico em Romanos, capítulo 11”). Dallas: Point Five Press, 2012. Páginas 119 a 126. Disponível em: < http://bit.ly/ZW0TNR >. (Traduzido por Willian A. S. Souza: willianalexss@hotmail.com; e revisado por: Matheus Henrique Klem Galvez. Concluída em 24 de Dezembro de 2014.)
[2]     Ray R. Sutton, That You May Prosper: Dominion By Covenant (“Para Vocês Prosperarem: Domínio pelo Pacto”), 2ª ed. (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, [1987] 1992), cp. 2. (http://bit.ly/rstymp) Gary North, Unconditional Surrender: God’s Program for Victory (“Rendição Incondicional: O Programa de Deus para Vitória”), 5ª ed. (Powder Springs, Georgia: American Vision, [1980] 2010), cp. 2.
[4]     Gary North, Sovereignty and Dominion: An Economic Commentary on Genesis (“Soberania e Domínio: Um Comentário Econômico em Gênesis”) (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1982] 2012), cp. 19.
[5]     Defensores do estado moderno às vezes clamam jurisdição terrena final por isto: o divino direito do governo civil – não apelam terrenamente a nada maior. Esse tipo de clamor foi levado muito mais a serio em 1940 que no final do século XX. O maior nível alcançado da fé Ocidental nos governos civis está agora atrás de nós. A inevitável bancarrota dos programas de previdência compulsória de todos os governos Ocidentais do tipo progressivo e sustentado por impostos vai eliminar muitos dos traços que restam dessa fé antes de meados do século XXI. Sobre esses programas estatisticamente arruinados, ver Peter G. Peterson, Gray Dawn: How the Coming Age Wave Will Transform America— and the World (“Amanhecer Cinzento: Como a Onda da Próxima Era Vai Transformar a América – e o Mundo”) (Times Books, 1999).
[6]     N.T.: O texto é em inglês, portanto North cita a frase em inglês. Ele discorre sobre a interpretação comum que se faz dela em sua língua. O original é: “This English phrase—“the powers that be”—has come down through the centuries to describe the supreme rulers in a society.”
[7]     North, Sovereignty and Dominion. (“Soberania e Domínio”), cps. 3, 4.
[8]     Gary North, Treasure and Dominion: An Economic Commentary on Luke (“Tesouro e Domínio: Um Comentário Econômico em Lucas”), 2a ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [2000] 2012), cp. 51.
[9]     Murray N. Rothbard, Power and Market (“Poder e Mercado”) (Auburn, Alabama: Mises Institute, [1970] 2006). (http://bit.ly/RothbardPAM)
[10]   Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy (“Herança e Domínio: Um Comentário Econômico em Deuteronômio”), 2ª ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), ch. 45.
[11]   N.T.: Caso não tenha ficado claro, vamos usar outras palavras: Imagine que você compre bananas e maçãs regularmente. Se o preço da banana aumentar, e o preço da maçã permanecer o mesmo, é normal que você compre mais maçãs e menos bananas, assumindo que não haja possibilidade de substituição entre bananas e maçãs. O custo da banana ficou alto frente ao custo da maçã. O mesmo vale se substituirmos a banana por “comportamento criminoso” e a maçã por “comportamento normal”. Havendo punições, o custo de ser um criminoso é muito alto, então as pessoas acabam por evitar esse tipo de comportamento: menos crime.
[12]   No início dos anos 70, Alexander Solzhenitsyn, na sua história em vários volumes, The Gulag Archipelado (“O Arquipélago Gulag”), disse que esse foi o caso por longo tempo na União Soviética.
[13]   N.T.: O sentido aqui é contenda familiar / disputa familiar / briga familiar no sentido de um prolongado estado de hostilidade mútua, tipicamente entre famílias e comunidades, caracterizada por ataques violentos em resposta a injúrias anteriores.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Qual é o propósito da cobrança de impostos?

Na série de podcasts Our Threatened Freedom (Nossa Liberdade Ameaçada), o reverendo Rousas John Rushoony tratou a respeito da cobrança de impostos e de algumas confusões e conceitos enganosos que existem quanto ao seu propósito e função. Abaixo segue o vídeo do podcast e a tradução transcrita.


Qual é o propósito da cobrança de impostos? Este é R. J. Rushdoony para o periódico "Nossa Liberdade Ameaçada." 

A maioria de nós, apesar de reclamar dos impostos, raramente duvida dos propósitos [que levam o governo a cobrar] impostos. A maioria das pessoas diria que que é necessário que se cobre impostos porque há a necessidade de se financiar os vários ramos do governo civil. Foi isso que nos foi ensinado na escola. E, como outras coisas que nos foram ensinadas, isto está errado. Pode ser que já tenha sido verdade em algum momento. Porém, recentemente a situação tem mudado cada vez mais.

L. L. Fuller, em suas palestras sobre jurisprudência na faculdade de Direito da Universidade de Yale, publicadas em 1964, nos diz que, mesmo naquela época, o propósito da cobrança de impostos havia sido distorcido. Os impostos haviam se tornado um meio de controle social. Eles são usados para controlar os negócios e os ciclos de negócios. A alocação de recursos econômicos é governada pela cobrança de impostos. As mulheres são taxadas por meio da alta cobrança de impostos em todos os cosméticos, de forma que uma parte substancial do que elas pagam para melhorar sua aparência é, [na verdade], um imposto sobre o desejo da mulher de ser bonita. Impostos são usados para identificar apostadores profissionais e para fazer as pessoas pagarem pelo uso do álcool. Viajantes [são] desencorajados pelos altos impostos sobre cada tipo de meio de transporte, seja do custo da gasolina ao preço de um automóvel ou a uma passagem de avião. Impostos são, também, criados por nenhuma razão senão aumentar o poder do governo federal. Nos cobram impostos porque estamos vivos, e também quando morremos, de forma que eu alertei minha esposa recentemente que nenhum de nós dois poderíamos pagar para morrer por enquanto. 

Mas isso não é tudo. O professor Fuller disse a respeito do pagador de impostos: "e ele não pode perguntar a si mesmo qual, então, é a diferença entre um imposto e uma multa. Seu humor quase que de desespero é pouco provável de melhorar, caso ele tenha a infelicidade de descobrir que um famoso juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos costumava insistir que não havia diferença." Em outras palavras: nós estamos sendo multados por estarmos vivos. 

Em resumo, cada vez mais o propósito da cobrança de impostos é limitar a auto-determinação. Os impostos funcionam deliberadamente para diminuir sua liberdade. Impostos que iniciaram como um meio de financiar o governo estão sendo usados para limitar nossa liberdade e nossa capacidade de financiar a nós mesmos. É justificável dizer que, se não há diferença entre cobrança de impostos e multa, então a cobrança de impostos se tornou imoral. 

Assim, por causa desta visão sobre impostos, nós estamos taxando os bons cidadãos e pobres cidadãos*. Estamos multando o sucesso tanto quanto ou ainda mais do que multamos a criminalidade. Há alguma dúvida sobre o porque de nosso povo ser tão cínico quanto aos políticos e à política? A maioria dos americanos ama o seu país e gostariam de se orgulhar dele novamente. Não ter desgosto ou vergonha. O que pode-se esperar, entretanto, quando somos mais gentis com nossos inimigos do que com nosso próprio povo? Geralmente, parece que o Governo Federal declarou guerra contra nós, o povo, e a cobrança de impostos é a arma nuclear que explode a nós todos. Quanto tempo pode a liberdade sobreviver em tal situação? 

 Este é R. J. Rushdoony para o periódico "Nossa Liberdade Ameaçada."

* Tradução incerta. Trecho do vídeo pouco audível.