Por R. J. Rushdoony
A historiografia agnóstica e ateísta começa com um ato
fundamental de fé, a fé de que Deus nada tem a ver com a história. Essa premissa
nada tem a ver com a ciência ou com a história: é um teorma pré-teórico através
do qual toda fatualidade é analisada. Isso, Lucrécio afirmou aberta e
claramente: "O princípio básico a que nos devemos ater como nosso
principal é que nada jamais fora criado por divino poder."
Através deste ato de fé é a história declarada ser a arena da ação humana, a
parte de qualquer determinação ou operação divinas.
Feita tal premissa, os acadêmicos então prosseguem em
aplicá-la à história. A história, assim, torna-se simplesmente a luta e o
desenvolvimento do homem num universo desprovido de sentido. Essa aplicação é,
então, tomada como “prova” da premissa mesma que a produziu! Claramente, isto é
um raciocínio cíclico: é um raciocício de fé em fé, e culpado do próprio
processo do qual acusa os Cristãos.
Um exemplo clássico é a “Lei dos Três Estágios” de Augusto
Comte (1798-1857) em A Filosofia Positiva. Comte negou a Deus; portanto, a
presença de Deus na história era mitológica, e o progresso na história era o progresso
da teologia à ciência positivista. Os três estágios pelo qual cada ramo do
conhecimento passa são, portanto, o Teológico ou fictício; o Metafísico ou
abstrato; e o Científico ou positivo. O homem passa de um desejo pelo
significado a um reconhecimento pragmático de que significado não existe e
deve, na realidade, ser analisado metodologicamente e pragmaticamente. Através
desse esquema simples, Comte aplicou a doutrina da evolução social (que muito
precedeu a evolução biológica) à história e relegou a teologia à idade do mito.
Que o esquema geral de Comte ainda é tão extensivamente adotado, é evidência do
poder da fé sobre o fato, porque a história claramente mostra um quadro bem
diferente.
É possível, com bastante precisão e por conveniência,
dividir o desenvolvimento do pensamento em três bem diferentes estágios, esses,
sim, sobremodo aparentes na história. O primeiro estágio do pensamento humano
foi a cosmovisão político-mágica. A não ser pelos Hebreus, essa perspectiva
governou toda a antiguidade, governava o Império Romano na era Cristã e, desde
então, contina a governar o mundo não Cristão. Para entendermos o significado
da cosmovisão político-mágica, é importante definirmos o que é mágica.
Uma definição assim requer uma distinção entre a
técnica e o propósito da mágica. Muito comumente, a mágica é explicada em
termos de técnicas primitivas e é, assim, expelida da cosmovisão moderna.
Entretanto, a mágica é melhor definida em termos de seu propósito; as técnicas
tem variado de cultura para cultura, mas o propósito permanece intacto. O
propósito da mágica é ganhar controle autônomo sobre o homem, sobre a natureza
e sobre o sobrenatural, controle sobre a totalidade do que realmente existe,
como quer que isso seja definido. A ciência moderna, tendo firmemente
abandonado suas origens Cristãs, é governada cada vez mais por mágica, por um
desejo de controle total sobre a realidade. Na perspectia bíblica, a ciência é
uma atividade necessária da sociedade e do homem piedosos ao passo que eles
buscam entender e subjugar a terra sob Deus e em obediência ao Seu mandato
cultural dado na criação. Na fé mágica, o homem almeja o controle total um ato
em desprezo, desafio e descrença.
Desde o começo da história, um dos melhores, se não um
dos mais fáceis, meios de exercer este controle tem sido pelo controle
político. Como resultado, mágica e política fizeram aliança desde cedo. A consequência
foi que, na antiguidade, a salvação não era religiosa; a salvação era política.
A religião era um aspecto subordinado da vida antiga, simplesmente um
departamento do estado, uma divisão de bem-estar social e obras públicas. A orientação
principal do homem era política; pode-se dizer que sua religião era política,
se usarmos religião como veículo de salvação. O estado e seus governantes,
nesta comovisão político-mágica, eram, em certo sentido, divinos: eram os
controladores da totalidade da realidade. A comovisão político-mágica
suplantou, assim, Deus e a religião com uma ordem mágica totalitária.
Mesmo um olhar passageiro em culturas antigas e não
Cristãs revela a prevalência dessa ordem políto-mágica. A adoração a Baal no
Oriente Médio era a adoração dos senhores, naturais e políticos, que governavam
toda a realidade. Os governantes
políticos prontamente adotavam o baalismo em vista de comandar aquele controle
total oferecido por esta cosmovisão político-mágica. A adoração a Moloque, com
sua demanda por sacrifícios humanos, era político-mágica, e Moloque significava
literalmente “rei.” Os curandeiros das tribos indígenas Americanas tinham pouca
relação com religião; sua função era mágica, e a medicina era uma faceta de seu
controle sobre a realidade. As tentativas do césaro-papismo de absorver a
Igreja Cristã representa uma tentativa de reduzir a igreja a um aspecto da
ordem político-mágica, em oposição a permitir que a igreja esmague aquela ordem
e a refaça numa ordem religiosa.
O segundo estágio do pensamento humano tem sido o
religioso ou Cristão. Com a vinda de Cristo, o estágio religioso, anteriormente
altamente restringido aos Hebreus, agora iniciava sua caminhada em direção à
conquista do mundo. O resultado foi a guerra imediata entre Cristo e os
césares, que nada mais fora que uma batalha entre a cosmovisão politico-mágica
e a cosmovisão bíblica. É o costume, agora, dos novos mitologistas, tratar a
perseguição dos Cristãos como majoritariamente lendária. A realidade é muito
diferente, entretanto. Roma engendrou uma tentativa de varrer o Cristianismo.
Primeiramente, isso se deu pelo assassinato judicial de membros seletos e
líderes. Finalmente, tornou-se a tentativa de assassinato em massa um povo
inteiro. Foi uma longa e terrível batalha, mas o império, embora possuísse o poder
da espada e de forma selvagem o utilizasse, finalmente perdeu.
Em Jesus Cristo a vida foi restaurada de uma cosmovisão político-mágica a uma
cosmovisão religiosa. Na queda de Adão, sua tentativa de ser como Deus (Gn
3:5), nasceu a perspectiva político-mágica. Na tentação de Cristo, a cosmovisão
político-mágica foi vencida. Vida e salvação foram restauradas a uma dimensão
religiosa.
O resultado foi uma nova historiografia. A velha fora nulificada.
Ela simplesmente narrava a conquista de poder e era antiquada em tudo mais. Ao invés
de movimento e progresso na história, a história antiga simplesmente citava
poder e controle. Santo Agostinho apontou o conflito da história, a Cidade de
Deus e a Cidade do Homem, entre a religião bíblica, entre o Cristianismo, e a
ordem político-mágica. A história, portanto, tem um propósito, o triunfo da
cidade celestial, e é, portanto, apta para o progresso. Há desenvolvimento em
ambas as cidades, conforme cada uma exercita as implicações de suas
pressuposições. O único desenvolvimento que Platão poderia visionar era um de
grandes controle sobre o homem, uma ordem comunizada, porque sua perspectiva
era político-mágica. Em Agostinho, a meta está aberta à imaginação: as cidades
crescerão, não em controle, mas em suas auto-consciências epistemológicas, e o
futuro é tanto certo como desconhecido. O progresso da história Ocidental é
único na história do mundo; é simplesmente um produto do triunfo da cosmovisão
bíblica, a substituição das ordens político-mágicas pela religião Cristã.
O terceiro estágio está agora em evidência: a tenttiva
de restaurar a ordem político-mágica. A cosmovisão Cristã foi introduzida
extensivamente em cada continente. Os leões adormecidos da ordem
político-mágica levantam-se por toda parte. Na cultura Ocidental, eles estavam
ativos nos avivamentos neo-platonistas, no Aristotelianismo, na Renascença e no
Iluminismo. A ONU hoje é a ordem político-mágica mundial, e virtualmente o são
também todas as nações. As igrejas foram largamente capturadas pela mágica e,
de acordo, tem um evangelho social e político. A salvação tornou-se política
novamente, e a salvação Cristã é ferozmente denunciada como irrelevante e
obscurantista. A batalha ocorre entre o estado como deus e Deus como Deus.
Portanto, não é presunçoso postular a ascenção de
ainda outro estágio, uma vez que Deus é Deus e Ele prevalecerá: uma ordem
Cristã triunfante ao redor da terra, e a supressão da cosmovisão
político-mágica. Uma vez que Deus tem tudo a ver com a história, cada amanhã é
em termos dEle. Não há outra história.
Sobre o autor: Rousas John Rushdoony (25 de abril de 1916 - 08 de fevereiro de 2001) foi um filósofo calvinista, historiador e teólogo e é amplamente creditado como o pai do Reconstrucionismo Cristão e uma inspiração para o movimento de educação domiciliar cristão moderno. Seus seguidores e críticos tem argumentado que seu pensamento exerce considerável influência sobre a direita cristã evangélica.
Sobre o texto: O texto traduzido aqui é o capítulo 10 do livro
The Biblical Philosophy of History.