sexta-feira, 24 de junho de 2016

Vocação

Por Gary North

"A ética protestante."Ouvimos esta frase o tempo todo. Geralmente, as pessoas falam da ética Protestante como alguma coisa que pertencia às gerações passadas do povo americano (ou inglês, ou holandês), mas que está morta hoje em dia. De fato, o único lugar em que isto parece florescer é o Japão, exceto pelo fato de que os japoneses não são protestantes. Mas, o que quer que isto seja, ou foi, a maioria das pessoas está convencida de que é algo do passado, uma característica de uma civilização Cristã que há muito se foi.

Temos que dizer, com toda honestidade, que todos os remanescentes da velha ética protestante estão batidos em nossos dias. O Humanismo fez progresso do período de 1860 até 1960, mas aí o capital roubado da cultura protestante começou a acabar. A cultura das drogas, a contra-cultura dos hippies, o colapso da performance das escolas públicas, a apatia dos trabalhadores e a crescente hostilidade entre gerações, tudo isto combinado abalou a fé das pessoas na cultura humanista e, ainda assim, eles não retornaram à fé de seus antepassados, o Cristianismo ortodoxo. A produtividade no trabalho caiu. É a menor da história americana e britânica. O que podemos fazer para reverter essas tendências?

A coisa óbvia a fazer é pregar um evangelho da redenção totalmente esférico: redenção pessoal, redenção econômica e redenção cultural. A lei de Deus se aplica a todas as esferas da vida. As bênçãos descritas em Deuteronômio 28:1-14 ainda estão disponíveis a uma sociedade que se arrepende. A ética do trabalho é um subproduto da fé cristã; onde a fé é restaurada, essa ética reaparecerá. O problema que enfrentamos hoje é este: mesmo aqueles que expressam sua fé em Jesus Cristo não têm entendimento algum a respeito de vocação. A vocação foi um componente básico do Protestantismo, e especialmente do Calvinismo, nos séculos XVI e XVII. As pessoas sabiam o que esta palavra significada. Hoje, não sabem mais.

Vocação: Geral e Especial

A Bíblia nos ensina que há uma vocação especial de Deus para o Seu povo. Ele os chama para fé em Jesus Cristo. Isto envolve abandonar o estilo de vida ímpio do passado. Deus chama os homens a um novo modo de vida. Ele os restaura à completa filiação ética (João 1:12). Esta é a doutrina da adoção. “Clame pelo nome do Senhor,” é uma frase bíblica familiar. Cristo disse “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:44). Deus chama Seu povo a fé em Cristo. Este chamado é, às vezes, conhecido como “vocação eficaz”, e é também conhecido como “vocação especial”. É um chamado para a salvação.

A vocação geral refere-se aos homens em geral. Cada homem é chamado a sujeitar a terra para a glória de Deus (Gênesis 1:28). Este é um chamado para trabalhar debaixo da soberania geral e providência de Deus. É a tarefa do homem de exercer domínio. Este chamado geral é a vocação do homem (“vocal”, ou “voz”). A vocação de um homem é o trabalho da sua vida, uma forma de serviço a Deus, quer ele reconheça que está sob Deus ou não.

A vocação geral assumiu grande importância durante a Reforma Protestante. Lutero e Calvino reforçavam que todo trabalho piedoso e honesto é aceitável a Deus, e que não deveria haver distinção alguma de natureza ética entre um ministro e um fazendeiro. Há distinções funcionais, é claro, motivo pelo qual a Bíblia estabelece certos requerimentos pessoais para os homens servirem como líderes da Igreja (1 Timóteo 3), mas não há distinções éticas. Nenhum homem é mais santo diante de Deus por causa do trabalho que tem.

Esta doutrina libertou os homens do opressão psicológica de sentir-se inferior por causa de seu trabalho. Se qualquer trabalho de um homem é aceitável a Deus, então é vantajoso pagar um homem para trabalhar o melhor que ele puder. Deus honra competência e a concede mais ainda para aqueles que se humilham diante dele e que tentam melhorar seu desempenho. Um bom encanador ganha mais respeito por causa seu trabalho do que um pregador preguiçoso. A questão aqui refere-se à diligência, não ao tipo de trabalho realizado.

Esta é claramente uma doutrina libertadora. Ela conclama a todos os homens que trabalhem duro e honestamente. Ela ensina aos homens que, não importa o que eles fazem para ganhar a vida, vale a pena fazê-lo bem. Isto, por sua vez, aumenta a produção econômica, pois os homens se esforçam para trabalhar de forma mais inteligente e com menos desperdício. Eles se esforçam para dar bom testemunho de si mesmos diante de Deus, e ao fazerem-no, dão bom testemunho de si diante dos homens. Isto significa mais riqueza para todos os membros do mercado, pois todos são beneficiários de um trabalho eficiente - todos, exceto aqueles que são ineficientes, preguiçosos ou incompetentes, que enfrentam uma maior concorrência do que antes. Esses merecem o que recebem.

A vocação geral é universal. Todos os homens serão responsabilizados por seu trabalho, e eles serão recompensados no céu, ou amaldiçoados no inferno, em termos de suas vocações gerais (Lucas 12: 47-48; l Coríntios 3). Este tipo de obrigação moral de trabalhar duro e honestamente pressiona os homens a melhorarem seu desempenho. É uma forma de auto-governo, e a sociedade não tem de impor sanções diretas sobre os homens a fim de colher os frutos do auto-governo. A conversão generalizada dos homens a uma forma de Cristianismo que prega o carácter vinculativo da vocação geral vai produzir um aumento da riqueza per capita na sociedade. As pessoas se esforçarão mais, e trabalharão de maneira mais inteligente.

Qual Vocação?

Tenho sido economicamente bem sucedido até agora na minha vida. Por causa da meu sucesso público e visível, muitas vezes alguns homens me perguntam, especialmente os mais jovens, quais são as regras do sucesso financeiro na vida. Os Cristãos que me perguntam isto, às vezes me perguntam também o que eu acho que eles deveriam fazer para ganhar a vida.

Eu tenho uma resposta pronta para isto. Relaciona-se com a doutrina bíblica da vocação. Não é uma resposta complicada, e a maioria dos Cristãos vêem a verdade neste meu conselho. O que me surpreende, entretanto, é que eles nunca ouviram nada parecido antes. Nenhum pastor os aconselhou. Nenhum pai sentou-se com eles para lhes falar sobre estas regras básicas para a ocupação de um Cristão. Aqui estão elas:

1) Avalie suas capacitades de forma precisa
2) Qual o trabalho mais importante que você pode fazer?
3) Qual o trabalho mais importante que você pode fazer no qual poucos podem substituí-lo?

Um homem que tem ainda que uma vaga ideia das respostas a essas três perguntas tem um bom palpite sobre o que deve fazer de sua vida. Não é fácil conduzir este questionário, mas é vital. Deus requer que cada homem o faça.

Capacidades: Quanto mais você tem, mais difícil é a decisão. O homem com capacidades limitadas, exceto para uma única habilidade, tem mais facilidade em tomar esta decisão. Ele sabe o que deve fazer. Mas alguém que tem múltiplos talentos - e isto inclui a maioria dos homens – terá uma dura avaliação a fazer. "Que tipo de trabalho mais me apetece? Quais são os que eu faço melhor? Quais são aqueles que eu estaria disposto a fazer para o resto da minha vida? Quais que são aqueles que eu não aguentaria fazer por muito tempo? Quais habilidades que eu deveria procurar melhorar, caso me seja dada a oportunidade?"

Você deve ser rigorosamente honesto aqui. Você provavelmente deve consultar outras pessoas: professores, pais, pastor, empregador, e até mesmo um serviço de teste vocacional, se necessário. Você deve enfrentar a si mesmo. Você também deve enfrentar avaliações de você partindo de outras pessoas. Você estará servindo em um mercado, afinal. Acostume-se com a idéia de ter que levar a sério opiniões de outras pessoas a respeito de seus talentos.

Importância do trabalho: Se um homem pode fazer bem diversas coisas, então ele terá que lidar com o problema de achar uma ocupação adequada às suas habilidades. Se ele consegue falar cinco línguas estrangeiras fluentemente, o que ele deveria fazer com seu talento? Ensinar na escola? Em que nível? Traduzir para uma corporação multinacional? Traduzir para uma agência federal? Traduzir livros para uma editora? Juntar-se a um time Wycliffe de tradução da Bíblia? Há diversas possibilidades. Níveis salariais são apenas um meio de tomar esta decisão. Existem outros.

Eu digo às pessoas para usarem esta regra de ouro em sua tomada de decisão. Tente olhar para frente 40 anos, ou para quando você achar-se velho demais para este trabalho. Quando você olhar para trás em sua vida, o que você vai pensar de seu trabalho? Ele honrou a Deus? Você deixou uma grande herança para trás para os seus filhos? Será que seus filhos cresceram com a formação moral para lidar com a sua herança de uma maneira piedosa? Você deu um monte de dinheiro para a caridade? Você dedicou sua vida inteira em serviço, em vez de gastá-la por puro dinheiro? Foi uma boa decisão você aceitar esse chamado como o trabalho da sua vida? Se você mesmo tentar responder a essas perguntas com antecedência, é bem mais mais provável que você não irá se decepcionar quando se perguntar de novo em 40 anos.

Capacidade de ser substituído: Isto é algo que poucos homens consideraram antecipadamente. Eles nunca deveriam deixar de fazê-lo. Não é suficiente selecionar o trabalho mais importante que você pode fazer. Você tem que perguntar a si mesmo: "Se eu fosse sair, ou morrer, este trabalho seria rapidamente preenchido por alguém tão eficaz como eu, e pelo mesmo salário?"Se a vaga é fácil de ser preenchida rapidamente e pelo mesmo salário, então a pessoa que a detém agora não distinguiu-se pelo nível de seu desempenho. Se um humanista pode fazer o trabalho de um Cristão tão bem, então há algo de errado com o trabalho do Cristão. Se seu trabalho é bom, então provavelmente há algum outro trabalho que ele poderia fazer que Deus quer preenchido por um Cristão.

Hoje, poucos Cristãos operam em termos da doutrina da vocação. Eles não pensam sobre como eles são importantes, como Cristãos, em sua vocação. Eles não entendem como devem fornecer únicos e exclusivos serviços Cristãos para seus empregadores. Em suma, eles não pensam como Cristãos.

O trabalho que um homem faz pode ser importante aos seus próprios olhos, ou aos olhos de outros, mas, permanecer no que parece ser o trabalho mais importante quando Deus poderia usar as mesmas habilidades para algo muito mais vantajoso em outro trabalho, então tal homem está desperdiçando seu talento. Qualquer homem que não puder dizer que ele, como um trabalhador Cristão, é insubstituível em seu trabalho, deve considerar procurar por um novo emprego. Se ele é facilmente substituível, então é melhor olhar em volta e ver se há algum outro trabalho importante a sua disposição no qual ele seria mais difícil de substituir.

Em suma, vá onde não há muita concorrência. Vá para onde a sua presença naquele lugar irá elevar o próprio lugar. Vá onde você, como Cristão, irá gerar imitadores, mesmo entre os não-crentes. Vá onde você terá a oportunidade de treinar outras pessoas em suas vocações. Se você não está agora em tal posição, mas poderia estar, então você não está exercendo sua vocação de maneira adequada. A capacidade de ser substituído é uma maneira de testar o seu lugar na vida. Você não iria querer ser apenas mais uma engrenagem de uma máquina econômica vasta e impessoal.

A Semana de Trabalho de 40 Horas

Nenhum Cristão deve trabalhar apenas 40 horas por semana, a menos que seja deficiente fisicamente de alguma forma. Poucos homens ficam ricos ou famosos trabalhando apenas 40 horas por semana. Poucas pessoas se destacam em suas profissões trabalhando apenas 40 horas por semana. Seis dias trabalharás – e certamente não apenas 7 horas por dia. Trabalhe 9 ou 10.

Agora, veja bem, eu acho que, em circunstâncias normais, pessoas assalariadas devem trabalhar não mais de 40 horas para um empregador. Uma vez que tão poucos homens trabalharão 60 horas por semana, você estrará jogando seu tempo fora (vendendo-o muito barato) se trabalhar por de forma assalariada mais de 40 horas por semana. Esse extra de 10 ou 20 horas deve ser investido servindo à igreja, ou estabelecendo um negócio familiar, ou na obtenção de uma educação melhor, ou em serviços comunitários. Não estou falando de homens que trabalham por comissão, ou os trainees em um estabelecimento profissional que podem tornar-se parceiros do negócio se eles trabalharem duro o suficiente. Mas um homem que está disposto a trabalhar 60 horas por semana deve trabalhar pelo menos 20 para si mesmo. Use o salário para alimentar a família; trabalhe as 20 horas adicionais para acumular capital, seja para sua aposentadoria, ou para o lançamento de um negócio familiar. Eu me tornei financeiramente independente fazendo apenas isso. E recomendo fortemente.

Um trabalho assalariado raramente é uma vocação integral. Pode ser um meio para uma vocação. Um homem pode ser hábil em um campo que não paga bem o suficiente para sustentá-lo em tempo integral. Ele usa suas 40 horas de trabalho por semana para se sustentar em sua vocação. Isso é o que eu faço com o meu boletim econômico, Remnant Review. A renda deste empreendimento permite-me doar a maior parte de meu tempo e energia para o Institute for Christian Economics, do qual eu não recebo salário ou outra compensação (exceto psicológica). Minha vocação é o meu trabalho em economia Cristã. Minha fonte de renda é o meu boletim econômico. Eu faço distinção entre os dois trabalhos.

Somente naqueles trabalhos raros, como por exemplo o pastorado, onde um homem é assalariado e, apesar disso, precisa dar mais de 40 horas por semana, deveria tal vocação ser considerada. Mesmo neste caso, este homem está dando estas 20 horas extras para Deus. Ele não está dando-as para algum empregador que as converterá em lucros para si mesmo e sua corporação. Ninguém em perfeito juizo trabalha 60 horas por semana para outra pessoa, apenas pelo dinheiro. Há maneiras melhores para fazer um dinheirinho: mais produtivas, mais gratificantes e mais rentáveis. Além disso, mais agradáveis a Deus. Nunca dê de bandeja a um empregador o que você deveria estar dando a Deus, especialmente seu tempo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que constitui a educação cristã?

Por R. J. Rushdoony

No que constitui a educação cristã? Às vezes, escolas Cristãs o são apenas de nome: são escolas humanísticas com a Bíblia adicionada a um curso de estudos humanísticos. É um erro grave assumir, em primeiro lugar, que haja qualquer assunto neutro que pode ser ensinado da mesma forma tanto por escolas Cristãs como por escolas humanistas. Acreditar nisso é negar a total soberania de Deus sobre todas as coisas. Isso significa que existem áreas em que o homem, e não Deus, é o Senhor. Não há nenhuma área de neutralidade em toda a criação. O que nós acreditamos determina a nossa perspectiva em matemática, história, biologia, geologia, arte, educação física, e tudo o mais. O Deus trino é totalmente o criador de todas as coisas e, portanto, totalmente seu Senhor e determinante. Todos os assuntos ou são ensinados a partir de uma perspectiva bíblica, teísta, ou eles são ensinados a partir de uma perspectiva humanista, centrada no homem.

Em segundo lugar, devemos lembrar que os fatos não são neutros, como Cornelius Van Til tão poderosamente nos ensinou. Antes de haver um fato, há uma fé. A fé interpreta e determina os fatos. Os "fatos" do universo são muito diferentes para um budista, um humanista existencial, e um cristão ortodoxo. Para o budista, tudo é ilusão e miséria; sua fé exige a negação do mundo e da vida. Maya e karma determinam todas as coisas. Para um humanista existencial, "fatos" têm apenas um significado puramente pessoal, o significado que cada um os atribui. Nem o homem nem a criação tem alguma essência, qualquer significado criado e predeterminado. O bem e o mal e todas as outras formas de significado são auto-gerados: são valores que eu atribuo às coisas nos termos da minha vontade. Nada tem qualquer significado advindo do ato criativo de Deus; todo o significado vem do ato criativo do homem.

No pensamento bíblico, entretanto, cada fato é criado por Deus e por Ele interpretado, de modo que o significado de toda a criação deve ser entendido em termos dEle e de Seu Reino. São Paulo deixa claro aos Coríntios que

Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum juízo humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo. Porque em nada me sinto culpado; mas nem por isso me considero justificado, pois quem me julga é o Senhor.  (1 Coríntios 4:3,4)

A palavra que Paulo usa para juiz é anakrino, "examinar, investigar e questionar". Paulo simplesmente diz que ele não tem o direito de examinar, informar-se sobre, investigar, questionar e julgar nada em termos de seus próprios padrões e testes. Da mesma forma, ele não tem respeito por todas e quaisquer julgamentos feitos sobre si mesmo. O único critério para investigação e julgamento é o Senhor e Sua palavra, e mesmo assim o julgamento completo e claro de Deus só será aparente clara e totalmente com o advento do Juízo Final (1 Cor. 4:5).

A implicação clara aqui e em outros lugares é que todo o estudo e investigação deve ser feito em termos da Palavra de Deus e do fato da soberania de Deus como criador, sustentador e Senhor.

Em terceiro lugar, não só a fé determina os fatos, mas a fé determina a mente. A filosofia humanística da educação dá prioridade à mente humanista. Intelectualismo é o determinante: é a verdadeira moralidade. Quanto maior o nível de educação humanística, supostamente o maior o nível de caráter moral será. A salvação é, deste modo, vista como a disseminação da educação e do conhecimento humanístico sobre toda a face da terra.

Para nós, no entanto, a disseminação da educação humanista é a disseminação do pecado e da apostasia. Para nós, a educação é ainda mais desejável do que para os humanistas, mas deve ser a educação piedosa e em termos de todo o conselho de Deus. Verdade para nós não são as ideias, crenças e fatos humanistas, mas Jesus Cristo (João 14:6), e para nós "a verdade tem como objetivo a bondade", e também o conhecimento verdadeiro. Um homem não pode ser santo ou moral fora de Jesus Cristo, nem pode um homem ter verdadeiro conhecimento à parte dEle.

Isto significa que livros cristãos são uma necessidade. Nós, como cristãos, somos membros de um outro reino, o reino de Deus. Nós vivemos, não em um universo sem sentido, cego, e evoluindo ao acaso, mas em um universo totalmente criado e governado por Deus, o Senhor. Não ousamos conhecer alguém ou alguma coisa fora do Senhor, porque a Seu Senhorio, governo, e propósito são total. Uma matéria na escola que não seja sistematicamente bíblica é um inimigo oculto para a fé. O humanismo não tem lugar em nossos corações, igrejas, casas, ou salas de aula.

Fonte: Chalcedon Foundation. http://chalcedon.edu/research/articles/what-constitutes-a-christian-education/
 
Sobre o autor: Rev. RJ Rushdoony (1916-2001) foi o fundador da Chalcedon e um teólogo eminente, especialista Igreja/Estado, autor de numerosas obras sobre a aplicação da Lei bíblica para a sociedade.

domingo, 9 de agosto de 2015

Taxação Tirânica


Por Gary North

“E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos. Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia.” (1Sm 8.14-18)

O princípio teocêntrico aqui é Deus como o rei da sociedade israelita. Ele coletou um dízimo α eclesiástico da produção agricultural das terras rurais para o sustento dos levitas. A substituição por um rei demandaria o dízimo de tudo.

A. O Desejo de Centralização

Os israelitas havia se cansado de serem governados por juízes independentes. O texto não nos diz nada sobre o governo de Samuel desde o dia em que ele levou os israelitas à vitória contra a Filístia até sua velhice, quando ele indicou seus filhos para servir como juízes (1Sm 8.1). “Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele, antes se inclinaram à avareza, e aceitaram suborno, e perverteram o direito. Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, E disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações” (1Sm 8.3-5).

Os israelitas quiseram imitar as nações à sua volta. Eles quiseram um único governante civil representativo. Eles não quiseram mais um governo descentralizado liderado por juízes. Eles quiseram centralização. Isto era consistente com a história da nação. Eles preferiram uma única voz de autoridade civil. “Porém esta palavra pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou ao Senhor. E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti” (1Sm 8.6-8).

Deus disse a Samuel para avisá-los do que iria inevitavelmente resultar dessa centralização do poder civil. “Agora, pois, ouve à sua voz, porém protesta-lhes solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles” (1Sm 8.9). Samuel então listou todos os males que viriam sobre eles. Dentre estes estavam taxas [impostos] mais altas.

B. Um Dízimo para o Rei

O rei iria aumentar os impostos. A nação pagaria a ele a décima part de sua produção (vv. 15, 17), e também seu capital seria confiscado: campos, vinhas, e olivais (v. 14). Isto seria em adição a qualquer coisa que eles estivessem pagando a magistrados civis locais. Eles não se importaram. Os israelitas ainda quiseram um rei. Moisés tinha profetizado isso. “Quando entrares na terra que te dá o Senhor teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre mim um rei, assim como têm todas as nações que estão em redor de mim...” (Dt 17.14).

Os israelitas haviam sofrido no Egito por uma tirania política centralizada. O Faraó da do tempo de José extraiu um imposto de renda de 20% (Gn 47.24-26).1 Este foi o juízo de Deus sobre o Egito. Eles adoraram um Faraó que clamava ser divino. Deus levantou José para dar aos egípcios um exemplo de tirania. Eles aprenderiam o que um suposto monarca divino poderia coletar em uma ordem política centralizada. Samuel avisou os israelitas de algo similar. Eles não se importaram. “Porém o povo não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei. E nós também seremos como todas as outras nações; e o nosso rei nos julgará, e sairá adiante de nós, e fará as nossas guerras” (1Sm 8.19-20). Eles quiseram um homem para fazer guerra em seu nome. O nome de Deus não foi suficiente. “Então o Senhor disse a Samuel: Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei. Então Samuel disse aos homens de Israel: Volte cada um à sua cidade” (1Sm 8.22).

O povo estava disposto a pagar a décima parte de sua renda a um rei. Eles estavam dispostos a pagar a um homem muito mais do que eles pagavam aos levitas. O dízimo levítico era a décima parte da produção agrícola. Isto os compensava por não possuir uma herança em propriedades rurais. Membros das outras tribos possuíam mais terra rural do que teria sido o caso se aos levitas não tivesse sido concedido o dízimo. Em contraste, o rei tomaria o dízimo de todos, fossem moradores da cidade ou moradores do campo. Ele tomaria mais do que uma tribo inteira recebia. O sacerdócio era sustentado por um dízimo colocado somente sobre os levitas: um por cento da produção rural de Israel.β O rei tomaria dez por cento. A realeza seria a instituição mais centralizada de Israel.

Quais benefícios um rei proveria? Liderança em tempo de guerra, respondeu o povo. O que mais? Nada que os juízes já não proviam totalmente. Os juízes proviam justiça civil. Eles proviam isso em uma base descentralizada. As pessoas poderiam se mudar para fora da jurisdição de um juiz caso ele se tornasse corrupto, assim como os filhos de Samuel se tornaram. Eles poderiam votar com seus pés. Eles não poderiam fazer isso quando um rei tomasse o controle do sistema sistema judicial e de sua aplicação.

Um juiz não poderia criar alianças internacionais baseadas em casamento. O rei poderia. Salomão fez isso mais tarde. As mulheres trouxeram seus deuses estrangeiros à casa do rei (1Rs 11). A Lei Mosaica proibia isto. “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie” (Dt 17.17a).

Um rei poderia acumular armas de guerra, incluindo cavalos e carros de guerra. A Lei Mosaica proibia isto. “Porém ele não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais voltareis por este caminho” (Dt 17.16).2

O povo não precisava seguir um juiz para uma guerra. Pelo menos três das tribos recusaram a ir quando Débora as chamou para a convocação (Jz 5.16-17). As tribos não poderiam facilmente escapar de uma guerra nacional iniciada por um rei.

Conclusão

Existe um desejo inato nos homens de ir para a guerra. “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” (Tg 4.1). Os israelitas quiseram um rei como as outras nações. Ele os levaria à batalha. Eles não ligavam para impostos elevados. Eles não ligavam para as preferências conjugais do rei. Eles quiseram estar aptos a se orgulhar das suas proezas militares nacionais. Para isso, eles precisavam de um rei. Este precisava de impostos. Eles estavam prontos a pagar.

Para o mundo moderno poder retornar ao nível de impostos do Faraó nos dias de José, governos teriam de cortar taxas e gastos em pelo menos 50% nas nações industriais de menor taxação. Eles precisariam cortar 75% para alcançar o nível de impostos que Samuel alertou contrariamente.

Eleitores podem reclamar de altos impostos, mas eles não se rebelam. Eles não substituem políticos de altos impostos por políticos de baixos impostos. Eles não percebem que, depois que a Primeira Guerra Mundial começou em 1914, o mundo entrou numa tirania de impostos. As nações livres são tiranias de impostos em comparação com o antigo Egito ou com qualquer reino antigo. Os eleitores não percebem isto, tão condicionados que estão pela educação financiada por impostos, que canta louvores ao moderno estado de bem-estar bélico-social.γ

Eleitores querem centralização. Eles querem estar orgulhosos de seu principal líder nacional. Deus avaliou esta preferência e atendeu ao pedido. “Mas vós tendes rejeitado hoje a vosso Deus, que vos livrou de todos os vossos males e trabalhos, e lhe tendes falado: Põe um rei sobre nós. Agora, pois, ponde-vos perante o Senhor, pelas vossas tribos e segundo os vossos milhares” (1Sm 10.19).

A Suíça tem mais longa tradição de liberdade política do que qualquer nação moderna. Ela não tem líder nacional. Tem um presidente rotativo que não possui poder independente e sai após um ano. Não há um chefe de estado. Há uma milícia cidadã descentralizada. A nação permanece neutra em guerras estrangeiras. Ela não começa guerras. É raramente invadida. O último período de não-neutralidade foi sob Napoleão (1798-1815). Hitler decidiu não invadi-la: um custo muito alto, não havia recompensa estratégica, e uma milícia descentralizada para combater nas montanhas, onde todas as pontes e túneis desabrochariam como uma estratégia defensiva. O governo nacional anunciou antecipadamente que qualquer anúncio de rendição pós-invasão deveria ser ignorado.3 A nação tem sido um paraíso fiscal. É rica. As únicas pessoas que tem medo da Suíça são os coletores de impostos de outras nações.

Traduzido por Willian Souza.
Revisado e editado por Matheus Henrique.



α N.T.: Por haver uma semelhança no português entre as palavras “dízimo” e “dizimar”, que podem assumir sentidos diferentes, alguém poderia entender este termo como sinônimo de “destruir”. No entanto, este não é (e não pode ser) o sentido correto do termo hebraico, que equivale a “décima parte”, “dez por cento”, ou seja, o sentido comum do uso da palavra “dízimo” no português. “Dizimará” equivale ao “will take the tithe”, no inglês, e ao “diezmará”, no espanhol. Conferir: < http://lexiconcordance.com/hebrew/6237.html >.

1 Gary North, Sovereignty and Dominion: An Economic Commentary on Genesis {Soberania e Domínio: Um Comentário Econômico em Genesis} (Dallas, Georgia: Point Five Press, 2012), ch. 35.

β N.T.: Caso não tenha ficado clara a diferença: (1º) um dízimo era aplicado sobre a produção rural das tribos como um todo, ou seja, 10% sobre a produção rural (total) de Israel; então, (2º) um outro dízimo era aplicado sobre a tribo dos levitas, ou seja, 10% em cima dos primeiros 10%. Este último, portanto, equivale a 1% sobre a produção agrícola (total) de Israel. Em suma: primeiro um dízimo sobre as tribos de Israel, sendo que isto iria para os levitas (porque não herdaram terras); segundo um dízimo sobre os levitas, sendo que este iria para os sacerdotes. Todas as tribos → 10% → levitas → 10% → sacerdotes.

2 Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy {Herança e Domínio: Um Comentário Econômico em Deuteronômio}, 2nd ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), ch. 42.

γ N.T.: O autor coloca aqui dois termos semelhantes: “welfare”, que é o estado de bem-estar (associado a políticas públicas que caracterizam-no); e “warfare”, que é algo como estado de guerra, estar em conflito. Fica assim: “modern welfare-warfare state”. 


3 Stephen P. Halbrook, Target Switzerland: Swiss Armed Neutrality in World War II {Mirando a Suíça: Neutralidade Armada Suíça na Segunda Guerra Mundial} (Rockville Centre, New York: Sarpedon, 1998), p. 95. Veja também seu discurso ao Clube Universitário de Nova Iorque, 21 de Julho, 1998. (http://bit.ly/SwissWW2)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Sobre o Brasileiro condenado à morte na Indonésia


Ontem foi executado, por um pelotão de fuzilamento da Indonésia, o brasileiro Marco Acher, acusado de tráfico de drogas. Como é de se esperar, não faltaram opiniões pipocando pela internet. Algumas delas partiram de Cristãos professos e seu conteúdo me preocupa um pouco. Sendo assim, resolvi fazer um breve comentário sobre alguns posicionamentos comuns quanto ao caso:

1) "Sou contra a pena de morte..."

Aqueles que condenam o ato do governo indonésio pelo simples fato de serem contra a pena capital estão raciocinando em desacordo com os princípios da Escritura Sagrada. Apóstolo São Paulo nos ensina que devemos submeter "todo o entendimento à obediência de Cristo" (2 Coríntios 10:5). Desta forma, nossa fé não apenas nos ensina sobre a salvação, mas, deve nos guiar em todo o nosso raciocínio. A fé na Revelação divina é o princípio de toda a sabedoria e conhecimento. É impossível conhecer sem, primeiro, crer. Dito isto, o Cristão deve, então, se perguntar o que Deus pensa da pena de morte e, somente depois de obter esta resposta, formular sua opinião e determinar seus sentimentos quanto ao assunto.

À pergunta “o que a bíblia diz sobre a pena de morte?” deve-se responder: que ela é legítima de ser aplicada pelo governo civil em certos casos. Ponto. O Deus que deu a lei no monte Sinai ao povo de Israel deu-a por completo. Deus-a para governar todos os assuntos humanos, em todos os locais e em todas as épocas. Assim, a lei de Deus não apenas refere-se a nós como indivíduos mas, também, governa e rege as famílias, as igrejas, a cultura, a economia e, claro, o estado e as punições civis. O primeiro e mais evidente caso em que Deus requer que o estado puna um criminoso com a pena de morte é o caso do homicídio, pois assim fora dito a Noé, a saber, que “quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.” (Gênesis 9:6). Além disso, falou ao povo de Israel que “se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra.” (Êxodo 21:14)

Quanto a todas essas evidências, o Cristão moderno, acostumado a responder emotivamente a questões como esta que nos é posta, dirá que essas imposições eram apenas para o povo da Antiga Aliança, coisas do Antigo Testamento, rudimentos da época da lei. Pois bem, se é assim, isto é, se é verdade que o Novo Testamento anulou as leis civis do Velho, eu pergunto: o que é que ele pôs em seu lugar? Esta pergunta é por demais pertinente, porquanto não existe vácuo moral em assunto algum. Certamente que algum princípio de legitimidade deve reger, hoje, os governos civis. A pergunta é: qual? Muitos não sabem responder a esta pergunta. Outros, infelizmente, se apressarão em responder que o princípio que rege o governo civil no Novo Testamento é o amor. Dirão, em favor de sua opinião, que Jesus ensinou isso ao anular a pena capital para o caso de adultério, pois lemos do apóstolo João que:

Jesus, porém, foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8:1-11)

Há muito que se possa dizer sobre este texto. Eu limito-me a argumentar da seguinte maneira: se Jesus está aqui anulando a lei que punia o crime de adultério com pena de morte (Deuteronômio 17:7), e, mas, a está substituindo por outra lei, qual seja, a lei do amor, então isto inevitavelmente nos leva a um anarquismo, sim, pois, se é necessário alguém sem pecado algum para infligir uma pena civil e se crime tão grave como o adultério deveria ser perdoado pelos magistrados, por que deveria ele condenar crimes menores ou de gravidade semelhante como o roubo, a agressão física ou o homicídio? Segue-se, assim, que nenhuma pena pode ser aplicada a criminoso algum e, portanto, não faz sentido haver governo civil. Tal absurdo, qualquer crente deve prontamente reconhecer, está em desacordo com os demais princípios bíblicos que governam o governo, mesmo princípios do Novo Testamento, pois não lemos São Paulo dizer que os magistrados civis são ministros do amor e da misericórdia, mas que ele, o magistrado, é “vingador para castigar o que faz o mal.” (Romanos 13:4). O que Jesus estava ensinando no caso da mulher adúltera é, basicamente, que um julgamento civil deve ser feito com justiça ilibada em todos os seus detalhes, conforme manda a lei. O julgamento ali era injusto pois não fora feito conforme manda a lei. Evidência disso é, por exemplo, a ausência do homem adúltero, pois, afinal, o adultério fora cometido por ambos.

Vimos assim que não há base exegética para afirmarmos que o Novo Testamento anula a lei civil que Deus deu por meio de Moisés, ao contrário, há textos que o confirmam (Romanos 1:32, Mateus 15:4). O que deve crer, então, o Cristão? Deve crer que a pena de morte é legítima pois fora instituída por Deus. Deve crer que o governo civil tem direito e dever de aplicá-la nos casos prescritos pela lei de Deus. Deve crer que isto, e nada mais, nada menos, é justiça verdadeira, pois emana dos justos decretos de Deus.

2) “..., mas ele sabia das leis daquele país.”

Outro tipo de opinião que observei quanto a este caso é esta: que o brasileiro Marco Asher conhecia as leis daquele país e, portanto, sua pena foi justamente aplicada. Tal opinião revela uma crença mais sutil e, creio, mais perigosa que a anterior. É a crença no direito do estado como legislador absoluto. Os que assim crêem são Cristãos que, baseando-se normalmente em Romanos 13, concluem que nós devemos aceitar qualquer punição ou legislação que o estado passar. Assim, se algo foi escrito num papel e assinado por um magistrado civil, tal é lei legítima e deve ser obedecido e aceito pelos cidadãos. Esta é uma pressuposição perigosíssima, pois dá ao estado, quer queriam ou não, poderes divinos, pois somente Deus é o legislador supremo. As ações do estado são sujeitas ao julgamento por Deus da mesma maneira que o são as ações individuais. Leis assinadas pelo estado que não são prescritas ou autorizadas por Deus devem receber não menos que nosso ódio e desprezo e devemos fazer de tudo quanto estiver ao nosso alcance para anulá-las.

Pense bem: se devemos aceitar como justa a punição dada pela Indonésia ao senhor Asher pelo simples fato dele ter conhecimento das leis daquele país, então deveríamos aceitar como justas as mortes de judeus e outros povos pelo governo nazista, pelo simples fato de que estas eram as leis daquele país? As leis alemãs da era nazista proibiam que qualquer um escondesse um judeu em sua casa. Deveríamos supor que um cidadão alemão que, sendo preso por ajudar um pobre judeu em fuga do campo de concentração, teria uma punição justa porque ele sabia das leis de seu país? Creio que, pondo as coisas desta maneira, fica evidente o quão tola é esta opinião.

3) “ele era traficante, e as drogas que traficavam iriam destruir famílias.”

Que as drogas destroem famílias, isto é um fato que não se pode negar. Porém, não se pode negar, também, que o álcool, uma droga lícita no Brasil e em boa parte do mundo, também destrói famílias. Nem podemos negar, ainda, que Deus autoriza e abençoa o uso do álcool pelo eu povo, como fonte de alegria e diversão (Deuteronômio 14:26). Não se pode negar, além disso, que carros, computadores, sexo e outras coisas mais que Deus criou, ou que o homem desenvolveu pelo seu intelecto, são também o meio pelo qual a maldade inata ao homem traz muitos problemas. A questão que deve ser posta aqui é: o estado tem autorização divina para proibir a circulação e uso de drogas? A resposta é não. Outra pergunta ainda se faz necessária: mesmo que o estado tivesse tal autoridade, poderia ele punir com a morte aqueles que desobedecessem? Também, para esta pergunta, a reposta é não.

O Cristão é governado, em todas as suas ações e pensamentos pela lei de Deus. Nós não estamos autorizados a ter opiniões contrárias ao mandamento sagrado ou, ainda, a raciocinar de forma contrária à lei. Dito isto, devemos concluir, a respeito somente da punição aplicada pelo estado indonésio, que ela é injusta, ainda que possamos abominar o ato que praticou o brasileiro Marco Asher.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Governos Legítimos



Por Gary North [1]

“Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo.
Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.” (Rm 13.1-7, ACF)

O princípio teocêntrico que sustenta esses preceitos é Deus como a suprema autoridade: hierarquia.[2] No topo da pirâmide do poder institucional está Deus, que delega autoridade aos homens.

A. Autoridades Plurais

Paulo fala de poderes superiores. A Concordância Strong definiu a palavra grega exousia como segue: “(no sentido de habilidade); privilégio, i.e. (subj.) força, capacidade, competência, liberdade, ou (obj.) maestria (concr. magistrado, super-humano, potentado, símbolo de controle), influência delegada: autoridade, jurisdição, liberdade, poder, direito, força.”[3] Isto significa, basicamente, autoridades legítimas. Existem mais do que uma. Não há hierarquia única nesta vida. Deus criou jurisdições competitivas com o fim de eliminar a possibilidade de uma tirania centralizada absoluta. “E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade.” (Gn 11.6-8, ACF).[4] Um governo civil nacional ou império nacional sempre tem encontrado competição: de governos civis estrangeiros, governos civis locais, famílias, grupos dinásticos, igrejas, associações voluntárias, e negócios.[5]
Paulo diz aqui que autoridades legítimas merecem obediência. Ele não diz ou implica que existe somente uma autoridade institucional legítima que deve ser obedecida. Em sua confrontação com o sumo sacerdote, ele deixou esse ponto claro. Mesmo sendo ele um apóstolo e estando em posse de autoridade legítima, ele não desafiou deliberadamente o sumo sacerdote. “Mas o sumo sacerdote, Ananias, mandou aos que estavam junto dele que o ferissem na boca. Então Paulo lhe disse: Deus te ferirá, parede branqueada; tu estás aqui assentado para julgar-me conforme a lei, e contra a lei me mandas ferir? E os que ali estavam disseram: Injurias o sumo sacerdote de Deus? E Paulo disse: Não sabia, irmãos, que era o sumo sacerdote; porque está escrito: Não dirás mal do príncipe do teu povo.” (At 23.2-5). Paulo honrou legítimas autoridades. Mas quando uma autoridade pudesse ser usada para contrabalançar outra, Paulo as colocava em competição para ganhar sua liberdade. “E Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus e outra de fariseus, clamou no conselho: homens irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu; no tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado. E, havendo dito isto, houve dissensão entre os fariseus e saduceus; e a multidão se dividiu.” (At 23.6-7). O partido dos Saduceus, que negava a ressurreição corporal, estava associado ao sacerdócio do templo. As palavras de Paulo aos Fariseus imediatamente minaram o poder de Ananias para processar Paulo legalmente usando-se da autoridade do sacerdócio.
Nenhum poder é estabelecido na terra que não seja estabelecido por Deus. Neste ponto, Paulo é claro. “Porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus” (v. 1). Esta frase inglês[6] - “as potestades que há” - vem ao longo dos séculos sendo usada para descrever as supremas autoridades numa sociedade. Por consequência, obediência a elas é biblicamente obrigatório. “Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (v. 2). Porque Deus estabeleceu autoridades para governar sobre os homens, desses é requerido, por Deus, que lhas obedeçam.
Paulo viveu sob o governo de Nero, um tirano sob todos os aspectos. Mesmo assim, ele escreve: “Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem” (v. 4). Cristãos devem fazer boas obras, recebendo louvor dos seus governantes. Deus tem estabelecido governantes em posições de autoridade para serem um terror aos malfeitores. Deixe que esses governantes devotem seus esforços para derrotar seus inimigos, não que procurem cristãos rebeldes para perseguir legalmente.
Existem governantes que são eles mesmos maus e aliados com homens perversos. Não obstante, Paulo diz para obedecê-los. O objetivo dos governantes é defender a ordem social. Todo governo tem regras. Ele impõe padrões com suas sanções.[7] Muitos governantes civis querem mais autoridade para si mesmos. Eles querem que as coisas andem devagar. Deus colocou na natureza humana o desejo de viver num mundo previsível. Quanto mais próximas da retidão as leis civis forem, maior a cooperação voluntária que os governantes vão ganhar dos seus subordinados. Governantes não podem mandar sem que aqueles que se subordinam cooperem voluntariamente. Se todos se recusarem a obedecer a lei, não haverá polícia suficiente para fazê-la valer. Esse é o motivo pelo qual governantes punem uma figura representativa. Isso manda uma mensagem ao público: “Se você não obedecer, e todos os demais obedecerem, nós pegaremos você.” Mas então vem o dia em que muitas pessoas têm uma chance e deliberadamente desobedecem a lei. Elas se recusam a cooperar com o governo civil. Neste dia, a ilusão do estado onipotente termina.
A igreja primitiva viveu debaixo de uma tirania civil pagã. Roma ordenava a idolatria como um meio de estender o poder do império. Seu sistema politeísta de governo civil buscou unidade intercultural pela divinização do imperador. Mas os cristãos se recusavam a oferecer sacrifícios públicos para “o gênio do imperador”, porque entendiam a teologia dos impérios antigos: a divinização do homem e do estado. Por esta rebelião, eles foram intermitentemente perseguidos por cerca de três séculos. Eles não se rebelaram pegando em armas. Eles meramente se recusavam a participar numa falsa adoração. Ao longo do tempo, eles ganharam reputação por serem bons cidadãos e subordinados confiáveis. No século quatro, eles herdaram o império Romano. Eles serviram sob tirania, e se tornaram governantes quando essa tirania colapsou no caos da guerra civil e da bancarrota. Desobediência não-violenta à autoridade civil neste único ponto eventualmente deu aos cristãos a autoridade civil. À parte isto, eles eram obedientes. Este é um princípio bíblico de autoridade, que aquele que quer governar deve primeiro servir. Jesus disse a seus discípulos, “Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve.” (Lc 22.25-26).[8] Mas há outro princípio de autoridade bíblica. “Porém, respondendo Pedro e os apóstolos, disseram: Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” (At 5.29). Ambos os princípios devem ser honrados. Ambos os princípios devem ser intelectualmente defendidos pelos guardadores do pacto. Ambos devem ser honrados pelo rebanho.

B. A Legitimidade dos Governos

A discussão de Paulo sobre autoridades institucionais segue-se após uma passagem que desafia a vingança pessoal. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor” (Rm 12.19). Se a vingança pessoal é errada, então como Deus traz vingança na história? Através do governo civil. O texto não diz que vingança é errado. Diz que Deus possui autoridade final para impor vingança. Ele delegou a autoridade de impor vingança física a dois governos: civil e familiar. Pedro concordou com Paulo neste ponto: “Sujeitai-vos, pois, a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior, quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus. Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei. Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus. Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente” (1Pe 2.13-19).
Nem Pedro nem Paulo demandam obediência ao governo civil ao custo da obediência a outros governos legítimos. De novo, Pedro explicitamente disse aos líderes judeus, “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29b). Ainda que tivessem autoridade para castigá-lo, o que fizeram (At 5.40). Ele se submeteu ao castigo, mas não à sua ordem de parar de pregar o evangelho. Ele desobedeceu, mas ele se submeteu às sanções por causa da sua desobediência. Assim também fez Paulo.
A questão é: Pedro e Paulo conscientemente agiram dentro do sistema legal romano existente. Paulo entendia a lei romana, e como um cidadão romano, a invocou. “Todavia Festo, querendo comprazer aos judeus, respondendo a Paulo, disse: Queres tu subir a Jerusalém, e ser lá perante mim julgado acerca destas coisas? Mas Paulo disse: Estou perante o tribunal de César, onde convém que seja julgado; não fiz agravo algum aos judeus, como tu muito bem sabes. Se fiz algum agravo, ou cometi alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas, se nada há das coisas de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César” (At 25.9-11). Suas palavras, “não recuso morrer”, afirmaram a legitimidade do governo civil, incluindo a pena capital. Mas, ao mesmo tempo, ele apelou para César para escapar da jurisdição de Festo, que Paulo acreditou que estava agindo a favor dos judeus. Isso foi consistente com sua afirmação da função ministerial dos magistrados civis.
O anarco-capitalista rejeita todas as formas de governo civil. Ele pode apontar para todo tipo de taxa como uma distorção do livre mercado.[9] Ele vê o mercado como legitimamente autônomo. Mas então vêm os problemas da violência e do pecado. Como estes podem ser previsivelmente contidos? A resposta bíblica é governo, incluindo governo civil. Num mundo anarco-capitalista de exércitos privados visando o lucro, o resultado é a sociedade de senhores da guerra. Exércitos privados militarmente bem-sucedidos vão sempre procurar por estabelecer seu mandato monopolista matando a competição, literalmente. Governos civis sempre reaparecem. Eles são um dos quatro sistemas de governo ordenados por Deus: governo próprio, governo eclesiástico, governo familiar e governo civil. Todos os quatro estão selados por um juramento. Todos os quatro envolvem sanções.
Cristãos não podem legitimamente adotar o programa libertário de um mundo sem governo civil. O pecado demanda governo civil e sanções civis. O direito de governantes civis de impor punições físicas é claramente afirmado por Paulo em Atos 25. Ele afirma em Romanos 13 a legitimidade do governo civil entre outros governos legítimos. Ele diz que os governantes são ordenados por Deus como seus ministros. Esta é uma linguagem forte. Ela invoca autoridade de Deus ao lado do estado. Se Paulo está correto, então anarco-capitalismo está errado. Não há saída para isso.

C. Crime versus a Divisão do Trabalho

A ameaça de crime força os homens a alocar recursos econômicos escassos para a defesa contra criminosos. O estado é a instituição primária de prevenção ao crime. O estado impõe sanções negativas em criminosos convictos. O objetivo é encorajar a justiça por meio do medo. “E os juízes inquirirão bem; e eis que, sendo a testemunha falsa, que testificou falsamente contra seu irmão, Far-lhe-eis como cuidou fazer a seu irmão; e assim tirarás o mal do meio de ti. Para que os que ficarem o ouçam e temam, e nunca mais tornem a fazer tal mal no meio de ti. O teu olho não perdoará; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Dt 19.18-21).[10] O medo aumenta o custo do comportamento criminoso. Como o economista diz, quando o custo de algo aumenta, tudo mais permanecendo igual, a demanda diminui.[11] Este é o objetivo de sanções civis negativas: menos crime.
O gasto com prevenção ao crime reduz a riqueza dos homens. Eles acreditam que este gasto previne uma redução ainda maior de sua riqueza por culpa de criminosos. O custo da cooperação é mais custoso para os homens quando o crime aumenta. Suas vidas e propriedade são menos seguras. Isto faz com que maiores precauções sejam tomadas sobre a entrada em empreendimentos cooperativos com pessoas que eles não conhecem bem. Os custos de informação de lidar com estranhos é alto, e algumas pessoas escolhem não assumir esses riscos extras. Por causa do pecado, a divisão do trabalho é reduzida. Atividades de prevenção ao crime são meios de remover risco e aumentar o nível de cooperação. Autoridades institucionais procuram reduzir o crime pela imposição de sanções negativas aos transgressores da lei.
Para maximizar a divisão do trabalho num mundo de pecado, o estado deve impor sanções negativas somente àqueles que quebram a lei, biblicamente definida. Pela adição de leis que vão além da Bíblia, ou mesmo contra ela, governantes civis diminuem a divisão do trabalho. Legisladores e burocratas que vão além da Bíblia na busca de acabar com atividades ilegais tornam mais cara para as pessoas a cooperação voluntária para estas alcançarem seus fins. Isto reduz a divisão do trabalho. Isto por consequência reduz a riqueza das pessoas. O estado, assim, produz a mesma condição que os criminosos produzem. A diferença é, bons homens sentem-se justificados em defender a si mesmos contra criminosos. Eles sentem-se muito menos justificados em defender a si mesmos contra o estado. O estado predador pode se tornar tão grande ameaça à cooperação social e econômica quanto a classe criminosa predadora. Em alguns casos, o próprio estado alia-se à classe criminosa.[12]

Conclusão

Paulo fala da ilegitimidade da vingança pessoal. Ele não nega a legitimidade da vingança em si. Ele diz que Deus restringiu a vingança aos governos civis legítimos. O poder civil é encarregado de conter violência pessoal imprevisível, contendas familiaresδ, e guerras de gangues.
O livre mercado não é autônomo. É uma extensão do indivíduo ou da família, ambos os quais operam debaixo da lei civil. O livre mercado está debaixo da lei civil. Lei civil é pactualmente superior ao livre mercado. O pacto civil estabelece as condições para o livre mercado modelando o comportamento e atitudes públicos. Lei civil é aplicada por governantes que são ministros de Deus. Taxação em si não é roubo, contrariamente a alguns teóricos libertários. Muitas formas de taxação são roubo, e todos os níveis acima do décimo  com certeza são (1Sm 8.15, 17), mas não todas. Autoridades legítimas têm direito ao suporte econômico. Taxação suporta o estado.
Paulo conclama os cristãos a obedecerem autoridades legítimas. Isso pode significar desafiar uma autoridade em nome de outra. Autoridades estão em alguma extensão em competição uma com a outra. Não é ilegal colocar uma contra a outra, como a tática de Paulo em Atos indica. Liberdade é, às vezes, adquirida pelo uso de uma autoridade para reduzir o poder de outra. Paulo usou a lei romana para minar o desejo de Festo de agradar os judeus. Ele legalmente removeu a si mesmo da jurisdição de Festo. Um sistema legal não deve ser permissão para se tornar monolítico.





[1]     NORTH, Gary. Cooperation and Dominion: An Economic Commentary on Romans, chapter 11 (“Cooperação e Domínio: Um Comentário Econômico em Romanos, capítulo 11”). Dallas: Point Five Press, 2012. Páginas 119 a 126. Disponível em: < http://bit.ly/ZW0TNR >. (Traduzido por Willian A. S. Souza: willianalexss@hotmail.com; e revisado por: Matheus Henrique Klem Galvez. Concluída em 24 de Dezembro de 2014.)
[2]     Ray R. Sutton, That You May Prosper: Dominion By Covenant (“Para Vocês Prosperarem: Domínio pelo Pacto”), 2ª ed. (Tyler, Texas: Institute for Christian Economics, [1987] 1992), cp. 2. (http://bit.ly/rstymp) Gary North, Unconditional Surrender: God’s Program for Victory (“Rendição Incondicional: O Programa de Deus para Vitória”), 5ª ed. (Powder Springs, Georgia: American Vision, [1980] 2010), cp. 2.
[4]     Gary North, Sovereignty and Dominion: An Economic Commentary on Genesis (“Soberania e Domínio: Um Comentário Econômico em Gênesis”) (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1982] 2012), cp. 19.
[5]     Defensores do estado moderno às vezes clamam jurisdição terrena final por isto: o divino direito do governo civil – não apelam terrenamente a nada maior. Esse tipo de clamor foi levado muito mais a serio em 1940 que no final do século XX. O maior nível alcançado da fé Ocidental nos governos civis está agora atrás de nós. A inevitável bancarrota dos programas de previdência compulsória de todos os governos Ocidentais do tipo progressivo e sustentado por impostos vai eliminar muitos dos traços que restam dessa fé antes de meados do século XXI. Sobre esses programas estatisticamente arruinados, ver Peter G. Peterson, Gray Dawn: How the Coming Age Wave Will Transform America— and the World (“Amanhecer Cinzento: Como a Onda da Próxima Era Vai Transformar a América – e o Mundo”) (Times Books, 1999).
[6]     N.T.: O texto é em inglês, portanto North cita a frase em inglês. Ele discorre sobre a interpretação comum que se faz dela em sua língua. O original é: “This English phrase—“the powers that be”—has come down through the centuries to describe the supreme rulers in a society.”
[7]     North, Sovereignty and Dominion. (“Soberania e Domínio”), cps. 3, 4.
[8]     Gary North, Treasure and Dominion: An Economic Commentary on Luke (“Tesouro e Domínio: Um Comentário Econômico em Lucas”), 2a ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [2000] 2012), cp. 51.
[9]     Murray N. Rothbard, Power and Market (“Poder e Mercado”) (Auburn, Alabama: Mises Institute, [1970] 2006). (http://bit.ly/RothbardPAM)
[10]   Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy (“Herança e Domínio: Um Comentário Econômico em Deuteronômio”), 2ª ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), ch. 45.
[11]   N.T.: Caso não tenha ficado claro, vamos usar outras palavras: Imagine que você compre bananas e maçãs regularmente. Se o preço da banana aumentar, e o preço da maçã permanecer o mesmo, é normal que você compre mais maçãs e menos bananas, assumindo que não haja possibilidade de substituição entre bananas e maçãs. O custo da banana ficou alto frente ao custo da maçã. O mesmo vale se substituirmos a banana por “comportamento criminoso” e a maçã por “comportamento normal”. Havendo punições, o custo de ser um criminoso é muito alto, então as pessoas acabam por evitar esse tipo de comportamento: menos crime.
[12]   No início dos anos 70, Alexander Solzhenitsyn, na sua história em vários volumes, The Gulag Archipelado (“O Arquipélago Gulag”), disse que esse foi o caso por longo tempo na União Soviética.
[13]   N.T.: O sentido aqui é contenda familiar / disputa familiar / briga familiar no sentido de um prolongado estado de hostilidade mútua, tipicamente entre famílias e comunidades, caracterizada por ataques violentos em resposta a injúrias anteriores.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Restrição

Por Frédéric Batiat


O Senhor Proibildo[1] (não fui eu quem lhe arranjou esse nome, foi o Senhor Charles Dupin) dedicava seu tempo e seu dinheiro a converter em ferro os minerais encontrados em suas terras.  Como a natureza foi mais dadivosa para os belgas, estes ofereciam ferro aos franceses por um preço mais interessante que o do Senhor Proibildo.  Assim sendo, todos os franceses, ou a França, podiam obter a quantidade de ferro que queriam, com menos trabalho, comprando-o lá no país dos honestos belgas.  Movidos pelo interesse, ninguém fazia cerimônia: todos os dias viam-se multidões de negociantes de lojas de ferragem, ferreiros, lanterneiros, mecânicos, trabalhadores partirem por conta própria ou através de intermediários, a fim de fazerem suas compras na Bélgica.  Isso desagradou muito ao Senhor Proibildo. 

Primeiro lhe veio a ideia de impedir esse abuso por suas próprias mãos.  Era o mínimo que podia fazer, já que ele era o único prejudicado.  Pensou: "Apanho minha carabina, ponho quatro pistolas na cintura, coloco munição na cartucheira, pego minha espada e, assim, todo equipado, vou para a fronteira.  Lá, o primeiro ferreiro, dono de loja de ferragem, mecânico ou chaveiro que passar em busca de negócios com os belgas e não comigo, eu o mato, para ele aprender a viver". 

Na hora de partir, o Senhor Proibildo fez algumas reflexões que esfriaram um pouco seu ânimo belicoso.  Ele pensou: "Primeiro, não é de jeito nenhum impossível que os compradores de ferro, meus compatriotas e inimigos, reajam de maneira diversa e, em vez de se deixarem matar, acabem matando a mim.  Depois, mesmo mobilizando todos os meus empregados, não vamos conseguir vigiar todas as passagens.  Enfim, essas providências vão-me custar muito caro, mais caro do que compensaria o resultado". 

O Senhor Proibildo já ia tristemente se resignando a ser livre como todo mundo, quando uma ideia luminosa bateu em sua cabeça. 
Lembrou-se de que, em Paris, existe uma grande fábrica de leis.  Mas o que é uma lei?  — perguntou-se ele.  É uma medida, boa ou má, que, uma vez sancionada, todo mundo tem de obedecer.  Para cumprir a dita lei, organiza-se uma força pública e, para se organizar essa força pública, bebe-se na fonte da nação dos homens e do dinheiro. 
"Se eu conseguisse que essa grande fábrica parisiense fizesse uma leizinha bem pequenininha, dizendo: 'O ferro belga está proibido', eu teria os seguintes resultados: o governo mandaria substituir os poucos rapazes que posso enviar à fronteira por vinte mil filhos de meus ferreiros, chaveiros, donos de lojas de ferragem, artesãos, mecânicos e trabalhadores recalcitrantes.  Depois, para manter esses vinte mil fiscais aduaneiros em boa disposição de espírito e de saúde, ser-lhes-iam distribuídos 25 milhões de francos tomados desses ferreiros, donos de loja de ferragem, artesãos e trabalhadores.  A vigilância seria mais bem feita do que por mim e não me custaria nada.  Eu não ficaria exposto à brutalidade dos revendedores e venderia o ferro pelo meu preço.  Assim, gozaria do doce prazer de ver nosso grande povo vergonhosamente enganado.  Isso ensinaria a esse povo a proclamar-se continuamente precursor e promotor de todo progresso existente na Europa.  Acho que a ideia é espirituosa e vale a pena ser tentada."

E assim o Senhor Proibildo se dirigiu a fabrica de leis.  Numa outra oportunidade talvez eu possa contar algo sobre suas surdas manobras; hoje só quero falar de suas atitudes ostensivas.  Dirigindo-se aos Senhores Legisladores, fez-lhes as seguintes considerações:
"O ferro belga é vendido na França por dez francos, o que me obriga a vender o meu pelo mesmo preço.  Eu gostaria de comerciá-lo a 15 e não posso por causa desse maldito ferro belga.  Fabriquem uma lei que diga: 'O ferro belga não entrará mais na França'.  Assim, eu poderei logo aumentar de cinco francos o meu preço, e vejam as consequências:

— Para cada quintal[2] de ferro que eu entregar ao povo, em vez de receber dez francos, receberei 15 e enriquecerei mais depressa; darei mais oportunidades de expansão aos meus negócios e empregarei mais operários.  Meus operários e eu gastaremos mais dinheiro, com grande vantagem para nossos comerciantes, até aqueles mais longínquos.  Esses, aumentando a venda de suas mercadorias, farão mais encomendas à industria e progressivamente a atividade econômica só terá benefícios em todo o país.  Essa preciosa moeda de 100 soldos que os senhores farão cair no meu cofre, como uma pedra que se joga num lago, fará irradiar um número infinito de círculos concêntricos. 

Encantados com esse discurso e com a ideia de que é tão fácil aumentar legislativamente a riqueza de um povo, os fabricantes de leis votaram a restrição.  Para que se fala tanto de trabalho e economia? diziam eles.  Por que usar meios tão penosos para aumentar a riqueza nacional, se um decreto resolve o problema? 
E, com efeito, a lei produziu todos os efeitos anunciados pelo Senhor Proibildo.  Só que ela provocou outros efeitos também, porquanto, façamos-lhe justiça, ele não tinha desenvolvido um raciocínio falso, mas incompleto: ao pedir um privilégio, ele assinalou os efeitos que se veem, deixando na sombra os que não se veem.  Ele só mostrou dois personagens, quando existem três na história.  Cabe a nós reparar este esquecimento involuntário ou premeditado. 

Com efeito, a moeda desviada assim por caminhos legislativos para o cofre do Senhor Proibildo constitui-se em uma vantagem para ele e para os que vão ter trabalho estimulado por ele.  Mas se esse decreto tivesse feito descer da lua essa moeda, esses bons efeitos não seriam contrabalançados por nenhum mau efeito compensador.  Infelizmente não é da lua que sai a misteriosa moeda de 100 soldos; mas é do bolso do ferreiro, do negociante de ferragens, do lanterneiro, do trabalhador, do construtor, em uma palavra, de Jacques Bonhomme, que paga mais hoje, sem receber um miligrama de ferro a mais do que no tempo em que pagava dez francos.  À primeira vista, deve-se perceber que essa realidade muda bem o aspecto da questão, pois o lucro do Senhor Proibildo é compensado pelo prejuízo de Jacques Bonhomme, e tudo o que o Senhor Proibildo poderá fazer com esse dinheiro para o incremento do trabalho nacional, Jacques Bonhomme o teria feito ele mesmo.  A pedra só foi atirada em certo ponto do lago, porque ela foi legislativamente impedida de ser lançada em outro ponto. 

Portanto, o que não se vê compensa o que se vê; até aqui resta, como resíduo da operação, uma injustiça, e, coisa deplorável, uma injustiça perpetrada pela lei! 

E isso não é tudo.  Eu disse que tinha deixado na sombra um terceiro personagem.  É preciso agora fazê-lo aparecer, a fim de que ele nos revele um segundo prejuízo de cinco francos.  E aí teremos o resultado da evolução inteira da história. 

Jacques Bonhomme é possuidor de 15 francos, fruto de seu suor.  Estamos ainda no tempo em que ele era livre.  O que faz ele desses seus 15 francos?  Compra um artigo da moda por dez francos e, com esse artigo, paga (ou algum intermediário paga para ele) o quintal de ferro belga.  Sobram cinco francos.  É claro que ele não os joga fora no rio, mas (e é o que não se vê) ele os entrega a um industrial qualquer em troca de um pequeno prazer, um livreiro, por exemplo, de quem ele compra um exemplar do Discurso sobre a história universal, de Bossuet. 

Assim, no que se refere ao incremento do trabalho nacional, a coisa se passa, na medida dos 15 francos, da seguinte maneira:

 - dez francos que vão para o artigo de moda vindo de Paris;
 - cinco francos que vão para a livraria. 

E, quanto a Jacques Bonhomme, ele obteve com seus 15 francos dois objetos de satisfação, a saber:

1) quatro arrobas de ferro;
2) um livro. 

Sobrevém o decreto. 

O que acontece com Jacques Bonhomme?  O que se passa com o trabalho nacional? 

Ao entregar seus 15 francos, até o último centavo, ao Senhor Proibildo, em troca de quatro arrobas de ferro, Jacques Bonhomme só tem o prazer de adquirir essas quatro arrobas de ferro.  Ele não pode usufruir do livro ou de outro objeto qualquer equivalente.  Ele perde cinco francos.  Estamos de acordo, não?  E não poderíamos deixar de estar, pois, quando a restrição aumenta o preço das coisas, o consumidor perde a diferença. 

Mas, diz-se, o trabalho nacional ganha essa diferença. 

Não, não é verdade, pois, desde que o decreto foi editado, o trabalho não é mais encorajado do que já o era antes, exatamente na medida dos 15 francos. 

Após a edição do decreto, os 15 francos de Jacques Bonhomme vão exclusivamente para a metalurgia, enquanto antes eles eram repartidos entre o artigo de moda e a livraria. 

A violência que o Senhor Proibildo promove por ele mesmo na fronteira ou a que ele fez promover-se pela lei podem ser julgadas muito diferentemente do ponto de vista moral.  Há pessoas que acham que a espoliação perde toda a sua imoralidade, desde que seja legal.  Quanto a mim, não poderia imaginar uma circunstância mais agravante.  Seja como for, o que é certo é que os resultados econômicos são os mesmos. 

Veja a coisa como preferir, mas tenha olhos sagazes e você perceberá que não sai nada de bom da espoliação legal ou ilegal.  Não podemos negar que não tenha havido para o Senhor Proibildo ou para sua indústria ou, se se quiser, para o trabalho nacional um lucro de cinco francos.  Mas nós afirmamos que existem também dois prejuízos: um para Jacques Bonhomme, que paga 15 francos pelo que ele antes podia obter por dez; outro para o trabalho nacional, que não recebe a diferença.  Faça sua própria escolha dentre os dois prejuízos, conforme lhe aprouver, para compensar o lucro que nós estamos admitindo.  O prejuízo que não for escolhido será apenas prejuízo total. 

Moral: violentar não é produzir, é destruir.  Oh!  se violentar fosse produzir, nossa França seria mais rica do que é. 
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[1] N. do T.- Em francês, "Monsieur Prohibant": esse irônico termo, usado para designar um protecionista, foi, como diz Bastiat, cunhado por Charles Dupin, e poderia ser talvez traduzido por: Senhor Restringidor do Comércio ou Senhor Protecionista. 
[2] N. do T.- Antiga unidade de peso, equivalente a quatro arrobas, ou seja, 58,758 Kg.

Sobre o texto: retirado da obra Frédéric Bastiat, publicada gratuitamente pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil (disponível aqui), o texto faz parte do capítulo "O que se vê e o que não se vê", onde o economista francês demonstra, com ironia e objetividade, as falácias até hoje cridas do protecionismo alfandegário.

Sobre o autor: Claude Frédéric Bastiat (Baiona, 30 de junho de 1801 — Roma, 24 de dezembro de 1850) foi um economista e jornalista francês. A maior parte de sua obra foi escrita durante os anos que antecederam e que imediatamente sucederam a Revolução de 1848. Nessa época, eram grandes as discussões em torno do socialismo, para o qual a França pendia fortemente. Como deputado, teve a oportunidade de se opor vivamente às idéias socialistas, fazendo-o através de seus escritos, vazados em estilo cheio de humor e sátira e de muito agradável leitura.
 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Os primeiros Cristãos eram socialistas?

Por Alberto Mansueti

São três as passagens mais citadas por gente de esquerda sobre este ponto. Porém, cada uma delas tem sua explicação:

1 – Jesus expulsou a chicotadas os mercadores do Templo. Sim, mas é preciso ler corretamente os evangelhos: Mateus 21, Marcos 11, Lucas 19 e João 2. Não eram simples “mercadores”; eles comercializavam a religião. A cada festa da Páscoa, vendiam as pombas e animais para os sacrifícios no Templo. E os cambistas trocavam o dinheiro grego e romano dos peregrinos por moedas judaicas, as únicas autorizadas para as oferendas. O templo, “Casa de Oração”, e não de negócios, se encontrava tomado por todo esse ruído e desordem.

Jesus nada tinha contra o trabalho e o comércio: ele e sua família eram carpinteiros; boa parte de seus discípulos eram pescadores; e suas maiores lições sobre o Reino de Deus são as “parábolas agrícolas”, com vinhas e propriedades, senhores e trabalhadores: nada tinham contra o capitalismo nem a favor do socialismo. O comércio com o sagrado é algo distinto; por isso aquele ato foi o equivalente a hoje expulsar a chicotadas esses pastores que enriquecem com dízimos e ofertas, “promessas” e “pactos”.

2 – E o “jovem rico”? Leia com atenção Mateus 19, Marcos 10 e Lucas 18. Um camelo não passa pelo buraco de uma agulha; é impossível. Não é como dizem, que “Agulha era o nome de uma porta da cidade”; ou “uma corda, e a palavra se parecia com um camelo”, etc. A pergunta do jovem rico nada tem que ver com riqueza, mas com vida eterna: “Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?” A resposta correta é: nada; porque a salvação é pela graça. “Ao Senhor pertence a salvação”: Salmo 37.39, Isaías 33.22, Jonas 2.9. E o jovem o sabia. Porém, Jesus quis que ele pensasse novamente sobre a questão, por isso repassou com ele os mandamentos; e o jovem respondeu que os observava desde a infância. Então Jesus lhe mandou que desse sua fortuna aos pobres, porém, não para ganhar o mesmo na eternidade com Deus, nem para fazer “justiça social”, mas para desligar-se de seus afãs e negócios, e se tornasse um discípulo: “segue-me”, tal como Mateus.

A vida eterna com Deus não é algo que alguém faz por merecer cumprindo essa ou aquela regra, como creem os “sinergistas” (pelagianos e semipelagianos católico-romanos, arminianos e evangélicos wesleyanos) e a grande maioria das pessoas. Não é algo que os ricos podem comprar com suas riquezas; nem tampouco “ganhar” dando suas riquezas aos pobres, como dizem (mas não fazem) os socialistas. E o discipulado? Bem, esse é outro assunto: para isso, sim, é necessário deixar muitas coisas, e o jovem não estava pronto. Essas são as duas lições de Jesus ao jovem — e aos discípulos que ali estavam. Quando disse que era mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que alguém entrar por seus méritos na Salvação, os discípulos lhe fizeram outra pergunta: “Sendo assim, quem pode ser salvo?”. Resposta de Jesus: “Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível”.

3 – No livro de Atos dos Apóstolos se diz que os primeiros cristãos tinham seus “bens em comum”. Lendo bem o contexto se vê que isso ocorreu só em uma das primeiras igrejas: a de Jerusalém, porém não nas outras. E como os cristãos de Jerusalém não podiam manter-se, as outras igrejas lhe fizeram uma coleta: Gálatas 2.10, 1Coríntios 16.1-3, 2Coríntios 8-9, e Romanos 15.25-27.
E por que isso aconteceu? Por duas razões: (1) os primeiros cristãos, quase todos judeus, eram perseguidos pelos demais judeus, em todo lugar, como se lê ao longo de todo o livro de Atos; e em Jerusalém, a capital, a perseguição era mais virulenta. (2) Eles estavam esperando o “Dia do Senhor”, o castigo divino sobre a cidade, por haver ela rejeitado e crucificado o Messias, e perseguido a seus seguidores. No capítulo 24 do Evangelho de Mateus, Jesus profetiza esse terrível dia de juízo, anunciando os sinais que viriam: falsos messias, guerras e rumores de guerras, fome, terremoto e pestes, perseguições e apostasias, e o “abominável da desolação”. Seria a “grande tribulação” que marcaria o fim, não do mundo, mas de uma era: a era judaica; e o começo de outra, a era cristã.

Esperando o dia de juízo, os cristãos viviam como em um gueto, quase na clandestinidade. Por isso não tinham negócios nem bens próprios; e no ano 70 d.C., quando se cumpriu a profecia de Jesus, e o juízo se abateu com as legiões romanas de Tito, os cristãos fugiram, ou já haviam deixado a cidade. Haviam se mudado, e estavam em diáspora, pregando o evangelho do Reino. A comunhão de bens foi uma medida excepcional, para uma emergência, somente naquela cidade; não é algo que se tome como norma no Novo Testamento. Por isso a coleta. E o casal Ananias e Safira, que mentiu sobre o preço de um terreno, foi condenado por sua mentira, não por resistir ao socialismo.

Concluindo, por que não se sabe a verdade? Por que essas interpretações corretas da Bíblia não são amplamente divulgadas e conhecidas?

Porque vão de encontro a crenças muito arraigadas e populares, que as más exegeses apóiam. (1) Não contam como realmente foi o caso dos mercadores expulsos a chicotadas porque isso seria contrariar as negociatas religiosas que são tão comuns a muitos pastores de hoje em dia; por isso fazem concessões em apoio às ideias socialistas. (2) Põem a frase do camelo e o buraco da agulha como favorável ao socialismo, porque esse diálogo, lido da forma correta, não vai contra os ricos, nem contra o capitalismo, mas contra a popular crença católico-romana de que o Céu é um prêmio que se ganha em razão de uma “boa conduta”. (3) E se o caso dos “bens em comum” dos cristãos de Jerusalém fosse lido apropriadamente, seria necessário mencionar a feroz perseguição dos judeus aos cristãos, e o terrível juízo de Deus sobre os judeus e sua cidade sagrada; e isso poderia soar “anti-semita”, e não é “politicamente correto”, entende? Por isso retorcem Mateus 24, para dizer que fala do “Fim do Mundo” vindouro, quando não é o caso. E utilizam o caso de Ananias e Safira para apoiar teses socialistas, quando também não se trata disso.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho
Sobre o autor: Alberto Mansueti é advogado e cientista político.
Site do autor:  http://albertomansueti.com/.

Texto originalmente publicado no jornal boliviano El Día.