segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Restrição

Por Frédéric Batiat


O Senhor Proibildo[1] (não fui eu quem lhe arranjou esse nome, foi o Senhor Charles Dupin) dedicava seu tempo e seu dinheiro a converter em ferro os minerais encontrados em suas terras.  Como a natureza foi mais dadivosa para os belgas, estes ofereciam ferro aos franceses por um preço mais interessante que o do Senhor Proibildo.  Assim sendo, todos os franceses, ou a França, podiam obter a quantidade de ferro que queriam, com menos trabalho, comprando-o lá no país dos honestos belgas.  Movidos pelo interesse, ninguém fazia cerimônia: todos os dias viam-se multidões de negociantes de lojas de ferragem, ferreiros, lanterneiros, mecânicos, trabalhadores partirem por conta própria ou através de intermediários, a fim de fazerem suas compras na Bélgica.  Isso desagradou muito ao Senhor Proibildo. 

Primeiro lhe veio a ideia de impedir esse abuso por suas próprias mãos.  Era o mínimo que podia fazer, já que ele era o único prejudicado.  Pensou: "Apanho minha carabina, ponho quatro pistolas na cintura, coloco munição na cartucheira, pego minha espada e, assim, todo equipado, vou para a fronteira.  Lá, o primeiro ferreiro, dono de loja de ferragem, mecânico ou chaveiro que passar em busca de negócios com os belgas e não comigo, eu o mato, para ele aprender a viver". 

Na hora de partir, o Senhor Proibildo fez algumas reflexões que esfriaram um pouco seu ânimo belicoso.  Ele pensou: "Primeiro, não é de jeito nenhum impossível que os compradores de ferro, meus compatriotas e inimigos, reajam de maneira diversa e, em vez de se deixarem matar, acabem matando a mim.  Depois, mesmo mobilizando todos os meus empregados, não vamos conseguir vigiar todas as passagens.  Enfim, essas providências vão-me custar muito caro, mais caro do que compensaria o resultado". 

O Senhor Proibildo já ia tristemente se resignando a ser livre como todo mundo, quando uma ideia luminosa bateu em sua cabeça. 
Lembrou-se de que, em Paris, existe uma grande fábrica de leis.  Mas o que é uma lei?  — perguntou-se ele.  É uma medida, boa ou má, que, uma vez sancionada, todo mundo tem de obedecer.  Para cumprir a dita lei, organiza-se uma força pública e, para se organizar essa força pública, bebe-se na fonte da nação dos homens e do dinheiro. 
"Se eu conseguisse que essa grande fábrica parisiense fizesse uma leizinha bem pequenininha, dizendo: 'O ferro belga está proibido', eu teria os seguintes resultados: o governo mandaria substituir os poucos rapazes que posso enviar à fronteira por vinte mil filhos de meus ferreiros, chaveiros, donos de lojas de ferragem, artesãos, mecânicos e trabalhadores recalcitrantes.  Depois, para manter esses vinte mil fiscais aduaneiros em boa disposição de espírito e de saúde, ser-lhes-iam distribuídos 25 milhões de francos tomados desses ferreiros, donos de loja de ferragem, artesãos e trabalhadores.  A vigilância seria mais bem feita do que por mim e não me custaria nada.  Eu não ficaria exposto à brutalidade dos revendedores e venderia o ferro pelo meu preço.  Assim, gozaria do doce prazer de ver nosso grande povo vergonhosamente enganado.  Isso ensinaria a esse povo a proclamar-se continuamente precursor e promotor de todo progresso existente na Europa.  Acho que a ideia é espirituosa e vale a pena ser tentada."

E assim o Senhor Proibildo se dirigiu a fabrica de leis.  Numa outra oportunidade talvez eu possa contar algo sobre suas surdas manobras; hoje só quero falar de suas atitudes ostensivas.  Dirigindo-se aos Senhores Legisladores, fez-lhes as seguintes considerações:
"O ferro belga é vendido na França por dez francos, o que me obriga a vender o meu pelo mesmo preço.  Eu gostaria de comerciá-lo a 15 e não posso por causa desse maldito ferro belga.  Fabriquem uma lei que diga: 'O ferro belga não entrará mais na França'.  Assim, eu poderei logo aumentar de cinco francos o meu preço, e vejam as consequências:

— Para cada quintal[2] de ferro que eu entregar ao povo, em vez de receber dez francos, receberei 15 e enriquecerei mais depressa; darei mais oportunidades de expansão aos meus negócios e empregarei mais operários.  Meus operários e eu gastaremos mais dinheiro, com grande vantagem para nossos comerciantes, até aqueles mais longínquos.  Esses, aumentando a venda de suas mercadorias, farão mais encomendas à industria e progressivamente a atividade econômica só terá benefícios em todo o país.  Essa preciosa moeda de 100 soldos que os senhores farão cair no meu cofre, como uma pedra que se joga num lago, fará irradiar um número infinito de círculos concêntricos. 

Encantados com esse discurso e com a ideia de que é tão fácil aumentar legislativamente a riqueza de um povo, os fabricantes de leis votaram a restrição.  Para que se fala tanto de trabalho e economia? diziam eles.  Por que usar meios tão penosos para aumentar a riqueza nacional, se um decreto resolve o problema? 
E, com efeito, a lei produziu todos os efeitos anunciados pelo Senhor Proibildo.  Só que ela provocou outros efeitos também, porquanto, façamos-lhe justiça, ele não tinha desenvolvido um raciocínio falso, mas incompleto: ao pedir um privilégio, ele assinalou os efeitos que se veem, deixando na sombra os que não se veem.  Ele só mostrou dois personagens, quando existem três na história.  Cabe a nós reparar este esquecimento involuntário ou premeditado. 

Com efeito, a moeda desviada assim por caminhos legislativos para o cofre do Senhor Proibildo constitui-se em uma vantagem para ele e para os que vão ter trabalho estimulado por ele.  Mas se esse decreto tivesse feito descer da lua essa moeda, esses bons efeitos não seriam contrabalançados por nenhum mau efeito compensador.  Infelizmente não é da lua que sai a misteriosa moeda de 100 soldos; mas é do bolso do ferreiro, do negociante de ferragens, do lanterneiro, do trabalhador, do construtor, em uma palavra, de Jacques Bonhomme, que paga mais hoje, sem receber um miligrama de ferro a mais do que no tempo em que pagava dez francos.  À primeira vista, deve-se perceber que essa realidade muda bem o aspecto da questão, pois o lucro do Senhor Proibildo é compensado pelo prejuízo de Jacques Bonhomme, e tudo o que o Senhor Proibildo poderá fazer com esse dinheiro para o incremento do trabalho nacional, Jacques Bonhomme o teria feito ele mesmo.  A pedra só foi atirada em certo ponto do lago, porque ela foi legislativamente impedida de ser lançada em outro ponto. 

Portanto, o que não se vê compensa o que se vê; até aqui resta, como resíduo da operação, uma injustiça, e, coisa deplorável, uma injustiça perpetrada pela lei! 

E isso não é tudo.  Eu disse que tinha deixado na sombra um terceiro personagem.  É preciso agora fazê-lo aparecer, a fim de que ele nos revele um segundo prejuízo de cinco francos.  E aí teremos o resultado da evolução inteira da história. 

Jacques Bonhomme é possuidor de 15 francos, fruto de seu suor.  Estamos ainda no tempo em que ele era livre.  O que faz ele desses seus 15 francos?  Compra um artigo da moda por dez francos e, com esse artigo, paga (ou algum intermediário paga para ele) o quintal de ferro belga.  Sobram cinco francos.  É claro que ele não os joga fora no rio, mas (e é o que não se vê) ele os entrega a um industrial qualquer em troca de um pequeno prazer, um livreiro, por exemplo, de quem ele compra um exemplar do Discurso sobre a história universal, de Bossuet. 

Assim, no que se refere ao incremento do trabalho nacional, a coisa se passa, na medida dos 15 francos, da seguinte maneira:

 - dez francos que vão para o artigo de moda vindo de Paris;
 - cinco francos que vão para a livraria. 

E, quanto a Jacques Bonhomme, ele obteve com seus 15 francos dois objetos de satisfação, a saber:

1) quatro arrobas de ferro;
2) um livro. 

Sobrevém o decreto. 

O que acontece com Jacques Bonhomme?  O que se passa com o trabalho nacional? 

Ao entregar seus 15 francos, até o último centavo, ao Senhor Proibildo, em troca de quatro arrobas de ferro, Jacques Bonhomme só tem o prazer de adquirir essas quatro arrobas de ferro.  Ele não pode usufruir do livro ou de outro objeto qualquer equivalente.  Ele perde cinco francos.  Estamos de acordo, não?  E não poderíamos deixar de estar, pois, quando a restrição aumenta o preço das coisas, o consumidor perde a diferença. 

Mas, diz-se, o trabalho nacional ganha essa diferença. 

Não, não é verdade, pois, desde que o decreto foi editado, o trabalho não é mais encorajado do que já o era antes, exatamente na medida dos 15 francos. 

Após a edição do decreto, os 15 francos de Jacques Bonhomme vão exclusivamente para a metalurgia, enquanto antes eles eram repartidos entre o artigo de moda e a livraria. 

A violência que o Senhor Proibildo promove por ele mesmo na fronteira ou a que ele fez promover-se pela lei podem ser julgadas muito diferentemente do ponto de vista moral.  Há pessoas que acham que a espoliação perde toda a sua imoralidade, desde que seja legal.  Quanto a mim, não poderia imaginar uma circunstância mais agravante.  Seja como for, o que é certo é que os resultados econômicos são os mesmos. 

Veja a coisa como preferir, mas tenha olhos sagazes e você perceberá que não sai nada de bom da espoliação legal ou ilegal.  Não podemos negar que não tenha havido para o Senhor Proibildo ou para sua indústria ou, se se quiser, para o trabalho nacional um lucro de cinco francos.  Mas nós afirmamos que existem também dois prejuízos: um para Jacques Bonhomme, que paga 15 francos pelo que ele antes podia obter por dez; outro para o trabalho nacional, que não recebe a diferença.  Faça sua própria escolha dentre os dois prejuízos, conforme lhe aprouver, para compensar o lucro que nós estamos admitindo.  O prejuízo que não for escolhido será apenas prejuízo total. 

Moral: violentar não é produzir, é destruir.  Oh!  se violentar fosse produzir, nossa França seria mais rica do que é. 
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[1] N. do T.- Em francês, "Monsieur Prohibant": esse irônico termo, usado para designar um protecionista, foi, como diz Bastiat, cunhado por Charles Dupin, e poderia ser talvez traduzido por: Senhor Restringidor do Comércio ou Senhor Protecionista. 
[2] N. do T.- Antiga unidade de peso, equivalente a quatro arrobas, ou seja, 58,758 Kg.

Sobre o texto: retirado da obra Frédéric Bastiat, publicada gratuitamente pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil (disponível aqui), o texto faz parte do capítulo "O que se vê e o que não se vê", onde o economista francês demonstra, com ironia e objetividade, as falácias até hoje cridas do protecionismo alfandegário.

Sobre o autor: Claude Frédéric Bastiat (Baiona, 30 de junho de 1801 — Roma, 24 de dezembro de 1850) foi um economista e jornalista francês. A maior parte de sua obra foi escrita durante os anos que antecederam e que imediatamente sucederam a Revolução de 1848. Nessa época, eram grandes as discussões em torno do socialismo, para o qual a França pendia fortemente. Como deputado, teve a oportunidade de se opor vivamente às idéias socialistas, fazendo-o através de seus escritos, vazados em estilo cheio de humor e sátira e de muito agradável leitura.
 

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