terça-feira, 30 de setembro de 2014

Política Segundo a Bíblia

Introdução
               Política é um tema sempre recorrente em nossas discussões. É um tema sobre o qual virtualmente todos nós temos alguma opinião, algumas embasadas, outras meramente especulativas.
               Há um pensamento dentro do Cristianismo que defende uma separação entre assuntos espirituais e terrenos. Segundo esse pensamento, conhecido de forma genérica como pietismo, a Bíblia descreve e regula o funcionamento do reino espiritual e da igreja institucional. O crente não pertenceria a este mundo e, portanto, nada tem a ver com os assuntos seculares, que significa que não devemos ter esperança alguma em influenciar esses meios.
               Outra corrente, entretanto, defende que, como Cristãos, podemos e devemos influenciar os assuntos seculares, mas não devemos ter esperança de sucesso. Apesar disso, dizem, deveríamos influenciar baseando-se numa lei natural comum. A lei civil de Israel, por exemplo, serviria, no máximo, como um guia para o funcionamento do estado.
               Uma terceira posição, conhecida como teonomia, prega que não existe neutralidade em nenhuma área do conhecimento e da existência do homem. A Lei de Deus é o padrão moral imutável e eterno para governar os assuntos terrenos. Assumir que o reino secular está fora de nosso alcance ou que devemos influenciá-lo baseado no senso e justiça comuns seria negar o governo ético da Lei de Deus sobre tudo e sobre todos. Seria dizer que política é imoral ou amoral. Nenhum dos dois pensamentos estão de acordo com a palavra de Deus.
               Sobre o pietismo, R. C. Sproul Jr. comentou: “Pietismo é uma visão que olha para o mundo mais amplo como uma questão de extrema insignificância, pois se foca exclusivamente em tornar a alma individual melhor. Radicalmente individualista e profundamente gnóstico, o movimento evita o envolvimento político, denigre o exercício do domínio e algumas vezes faz adições à lei de Deus. Isso, sem dúvida, nunca deveria ser confundido com piedade, que é algo bom. Piedade é santidade no caráter, um zelo de crescer em graça e sabedoria, dar muito fruto do Espírito. Porque essas duas coisas são frequentemente confundidas, não é incomum aqueles mais relaxados na busca da santidade acusar os mais zelosos de pietismo. De forma semelhante, não é incomum alguns que são apaixonados em reafirmar os direitos régios do Rei Jesus, que anseiam em ver o Seu reino reconhecido, desdenhem a busca da piedade pessoal como uma distração.”[1]
               João Calvino, reformador francês, afirmou sobre o Cristão ocupar lugares na política: “Onde quer que os profetas falam do Reino de Cristo, é dito que os reis viriam adorá-lo e homenageá-lo (Is. 49). Não é dito que eles abandonariam o ofício para se tornarem cristãos, mas, em vez disso, que na dignidade real, se sujeitariam à Jesus Cristo como o Soberano Senhor. Davi disse o mesmo e exortou que eles cumprissem suas funções. Não disse para lançarem fora seus diademas ou cetros, mas somente para beijar o Filho (Sl 2), isto é, para homenageá-Lo e serem sujeitos à Ele no governo. Ele fala do Reino de Nosso Salvador Jesus Cristo e ele manda que todos os reis e superiores sejam sábios. O que é essa sabedoria? Que lição ele dá? De abrir mão de tudo? Não, mas de temer a Deus e honrar Seu Filho. Além disso, Isaías profetizou que os reis seriam como aios e que as rainhas seriam como as suas amas (Is. 49). Eu pergunto, como é possível dizer que os reis são protetores da Igreja Cristã e, ao mesmo tempo, dizer que a posição que eles ocupam não condiz com o Cristianismo? Se o Senhor lhes coloca nessa posição, conforme dizem os profetas, então já provamos nossa posição. Considerando que Ele deu à eles um lugar tão honroso da comunhão de Seu povo, de ordenar que sejam protetores de Sua Igreja, que imprudência é essa de excluí-los?”[2]
               O verdadeiro Cristianismo oriundo da Reforma Protestante defende a soberania de Cristo sobre o homem todo. As instituições humanas são meramente a ação do homem posta em prática e, como tais, também estão sujeitas ao governo e ao sonhorio de Jesus Cristo. O Cristão deve, por causa do Pacto de Domínio (e da Grande Comissão, onde ele foi reafirmado) lutar por ver o senhorio de Cristo reconhecido em todas a áreas da vida e das relações sociais humanas. Baseando-se nisso é que desenvolveremos alguns ensinos bíblicos sobre a política.
              
Estado
               O estado é, segundo o dicionário Houaiss, o “conjunto das instituições (governo, forças armadas, funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação.” O estado é, em outras palavras, a instituição social que detém o monopólio da coerção.
               Deter o monopólio da coeração significa ter a autoridade moral de iniciar o uso de violência para forçar um indivíduo a agir contra sua vontade. Sendo esta a prática essencial do estado, é extremamente necessário estudarmos o que diz a Bíblia sobre ele. O estado deveria existir? Se sim, quais os limites de sua atuação? Ele deve proibir o quê? Se não, quem cuidará de manter a ordem social? Seria mesmo necessário ter alguém cuidando da ordem social?
               Para que possamos responder a essas perguntas, precisaremos do auxílio do nosso texto bíblico principal para esta presente lição: Romanos 13:1-6.

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço.

Existem diversos textos na Bíblia tratando sobre política. Creio que este texto paulino é o mais enfático em seu ensino. Vamos sintetizá-lo em alguns pontos chaves, nos quais vamos focar nesta presente lição. São eles:

1. A legitimidade do estado
2. A descentralização de poder
3. A função do estado
4. A idolatria ao estado
5. O estado de bem-estar social

1. A legitimidade do estado

               O apóstolo Paulo é enfático: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores.” Com ele concorda Pedro, que diz “Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (1 Pedro 2:13-14). Não há dúvidas bíblicas sobre a legitimidade do poder civil.
               Existem filosofias humanas que pregam que o mundo estaria melhor se não houvesse governo algum. Tais filosofias são chamadas anarquistas. O termo anarquia vem do grego e significa literalmente “ausência de governo”. Existem anarquistas de diversas correntes. Existem os anarco-comunistas, que preveem uma sociedade sem estado e sem propriedade privada, vivendo em comunidades onde todos os meios de produção sejam compartilhados.
               Existem, também, os anarco-capitalistas, que prevem uma sociedade onde todas as necessidades sociais seriam providas pelo mercado, inclusive a aplicação da justiça.
               O apóstolo São Paulo, em sua epístola, e Pedro, na sua, negam firmemente qualquer posição anarquista. O estado é o ministro de Deus para aplicar Sua lei à sociedade, de modo a promover a ordem e a cooperação entre os indivíduos. Jesus também ensinou a legitimidade dos governos humanos. Cito agora dois textos em que o Senhor nos ensina que a existência de hierarquias civis é legítima.

Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. (Lucas 20:25)

Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem. (João 19:10-11)

               A Bíblia por toda parte ensina que são legítimas as autoridades civis. Se os escritores bíblicos estão certos, os anarquistas necessariamente estão errados. O governo civil é uma instituição pós-queda, ou seja, foi instituído após a queda de Adão. A sua existência  deriva-se da necessidade de refrear o mal e baseia-se, portanto, na maldade inata do ser humano, que é a doutrina da depravação total.

2. A descentralização de poder

               Paulo afirma que os homens devem estar sujeitos às autoridades superiores. Fala como de muitas, e não de uma só. Isso seria relevante? Sim, muito. Ao passo que Deus estabeleceu as autoridades civis como legítimas e necessárias, ele também determinou que não existisse uma única cadeia hierárquica vertical, mas muitas. Deus estabeleceu a divisão de poder. Gary North diz que “Deus estabeleceu jurisdições concorrentes para eliminar a possibilidade de uma tirania central absoluta.”[3]
              
               Após o dilúvio, quando Deus julgou a raça humana, os homens novamente inflamaram-se contra Ele e planejaram estabelecer uma tirania global cujo objetivo era unir a humanidade e desafiar a soberania de Deus. Planejaram a construção de uma torre altísssima, capaz de suportar a fúria de um novo dilúvio. Naquela época, os homens estavam organizados numa estrutura social monolítica. Havia uma só língua e, provavelmente, um só governo. Para evitar o mal que intentava, lemos em Gênesis 11:6-8 que o Senhor confundiu-lhes as línguas e os espalhou sobre a terra.

E o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. (Gênesis 11:1-8)

               Os seres humanos são naturalmente inclinados à corrupção, à maldade (Romanos 3:10). Suas línguas são naturalmente maledicentes, seus pés naturalmente correm para derramar sangue e sua vontade natural é de apropriar-se do que é de outrem pela força, e não pelo trabalho e pela cooperação. Vimos que Deus instituiu o governo como o poder necessário para frear a maldade do homem e permitir um desenvolvimento social saudável. Entretanto, como os governos são também formados por homens, eles são propensos à corrupção e à maldade da mesma maneira que o são os indivíduos. Na verdade, por serem dotados de grande força (militar) e autoridade, é extremamente perigoso que homens iníquos tomem o poder. Hitler não teria conseguido muita coisa se não tivesse alcançado tamanho poder político na Alemanha do pós-guerra. Sozinho ele não cometeria genocído algum.
               Então, para frear a maldade dos governos é da vontade de Deus a instituição de hierarquias diversas e concorrentes entre si. Um governo centralizado é um governo onde todo o poder está concentrado nas mãos de uns poucos indivíduos, ou de uns poucos grupos de indivíduos.
               Um governo descentralizado, por outro lado, é um governo onde o poder é mais local, dividido entre as diversas províncias do país ou região. Em tese, num governo assim, a função do governo central é mais representativa do que executiva. 
               A divisão de poderes pode ser vertical, horizontal ou bidirecional. Os estados modernos são baseados no princípio da divisão de poderes. Existem, em geral, dentro de um mesmo estado, três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ambos devem literalmente concorrer e fiscalizar o outro com vistas à evitar a tirania e garantir a liberdade. Isto é o que eu chamaria de divisão horizontal. A divisão vertical é o poder repartido em esperas local, regional e nacional. No nosso caso, cada um dos três poderes horizontais tem suas  representações locais (municípios), regionais (estados) e nacionais (União).
               Seria a divisão de poderes suficiente para garantir a ordem, a paz e a justiça? Não. Saiba por que na próxima seção.

3. A função do estado

               No centro de todos os debates políticos se encontra uma pergunta fundamental: qual deve ser a função do estado? Como ele deve usar o dinheiro que arrecada em impostos? Qual a porcentagem de impostos lícita a ser cobrada? Que tipo de coisas o estado pode obrigar que os cidadãos façam sob ameaça de punição? Em resumo, qual é a diferença entre tirania e atividade estatal legítima?
               O apóstolo Paulo, ao descrever a potestade estatal em Romanos 13:1-6, nos dá a resposta de forma bem clara: o estado é o vingador de Deus. Nós aprendemos nas lições sobre os dez mandamentos que uma das funções da lei é a função civil, ou seja, proibições de cunho moral impostas a todos os habitantes de uma nação pelo próprio Deus a fim de coibir a maldade humana. O estado é, segundo Paulo, “vingador para castigar o que faz o mal” (ACF). O único que tem autoridade para diferenciar o bem do mal é o próprio Deus. Deus é, então, o único Legislador. O estado deve ser apenas um aplicador da lei (civil) de Deus. Portanto, o governo civil estará pecando se ultrapassar um centimetro sequer das atribuições que a lei de Deus lhe dá. Também estará pecando caso abstenha-se de cumprir quaisquer de suas atribuições. A função do estado é punir os criminosos. A palavra de Deus define quem é e quem não é criminoso, não o estado.
               Agora que estabelecemos de forma sucinta o que é a função da potestade estatal, devemos estabelecer, também, algumas considerações sobre o que não é função do estado. Estabelecer tais oposições faz-se necessário pois vivemos numa época de recorrente confusão a respeito do que deve ou não fazer o estado.
               De acordo com Paulo, o estado deve punir o mal. Somente isso. Nenhuma outra passagem bíblica acrescenta qualquer direito aos governantes, e os exemplos que temos concorrem para que entendamos que a função que Paulo nos apresenta é, sim, a única função legítima do estado.
A primeira função ilegítima geralmente assumida pelos estados é a função de supremo legislador. Assim como a Igreja, em assuntos eclesiásticos, somente pode legislar de acordo com a lei de Deus o estado, em assuntos civis, somente pode legislar conforme a lei de Deus. Hoje, não é raro encontrarmos situações em que o estado criminaliza ou penaliza atividades ou comportamentos que jamais deveriam ser criminalizados. Podemos citar:
a) Economia, com as regulações, controle de preços, salários, coibição de livre-iniciativa, controle e tarifação de importações e exportações, monopólio estatal da moeda, etc.
b) Educação, com toda a imposição de forma e currículo, além da obrigação de financiamento estatal de educação para todos e proibição da educação no lar.
c) Saúde, com dificuldades burocráticas para soluções privadas e inovadoras, que encarecem os serviços e causam escassez no fornecimento.
d) Demais atividades, sejam econômicas, com regulamentações, penalizações e criminalizações em quase todas as áreas da atividade humana.
e) Comportamento, com a dominação da linguagem e do pensamento pelo politicamente correto e pela regulação, penalização e criminalização de comportamentos humanos que a Lei de Deus deixa serem regulados apenas pela consciência.

Para punir o mal, o estado deve tomar, a força, dinheiro e bens de seus súditos. Tal quantia é chamada de imposto. Os que defendem a anarquia, principalmente os que defendem a anarquia capitalista, afirmam que qualquer tipo de imposto é roubo. Tal definição está errada. O imposto cobrado para manter a máquina estatal de vingança conforme a lei de Deus é não só legítimo como necessário.
Apesar de um certo nível de taxação ser necessário e legítimo, existem usos que o estado moderno faz do dinheiro que arrecada que são imorais e ilegítimos. Um exemplo de uso ilícito do erário público é a redistribuição de riqueza, de qualquer gênero e espécie. O estado não tem função de fazer caridade ou de doar nada a alguém. A razão disso é uma: o estado arrecada seu dinheiro pela coerção. As mazelas sociais, o cuidado com os doentes, moribundos, órfãos e viúvas deve ser responsabilidade dos cidadãos, usando dinheiro adquirido da geração de riqueza de forma legítima. Além disso, a Igreja é a grande instituição que tem a responsabilidade maior para com os pobres. O estado deve ser isonômico. Deve prover justiça, apenas, e de forma igual para todos.
Uma terceira e última atribuição estatal que é ilegítima é o estado ser instrumento de transformação social. Hoje, é notório que a sociedade acredita, em maior ou menor grau, que leis possam, de alguma forma, transformar o caráter do homem. Políticos lotam palanques com suas demagogias e preocupações a respeito de diversos assuntos sobre os quais eles nadam podem fazer. É daí que surgem, por exemplo, as pesadas regulações e impostos sobre o álcool e sobre o cigarro. Pensa-se que ao regulamentar comportamentos específicos do ser humano estarão produzindo pessoas melhores. Os legisladores se veem, assim, como verdadeiros engenheiros sociais, e nós somos a massa que eles desejam moldar. Em resumo, tal visão entende o estado como um Redentor. Além de ilegítima, esta filosofia é blasfema. Cristo é o único e suficiente Senhor e Salvador dos homens. Toda mudança social que precisa passar por uma transformação no coração humano está, por definição, fora do campo de ação estatal.

3.1. A idolatria ao estado

               Por que Deus limita as funções do estado? Pelo mesmo motivo que ele limita as ações dos indivíduos pela lei civil: por causa do pecado. A natureza do homem pecador é sempre inclinada para o mal. Paulo deixa esta verdade bem clara nos primeiros capítulos da epístola de Romanos. O homem, quando alcança o poder e tem a sua disposição meios de coerção para impor suas vontades aos demais, precisa ser duplamente vigiado. Vimos que uma das formas de impedir que o estado abuse do poder é a divisão de poderes. Paulo age conforme este princípio quando apela para César em seu julgamento, tentando evitar a jurisdição de Festo (Atos 25:9-11). Além disso, ele fala, em Romanos 13, de “muitas” autoridades. A divisão de poder evita a concentração tirânica de poder.
               Embora ajude, a divisão de poder não é suficiente. De nada adianta dividir o poder e embriagar a sociedade de uma doutrina estatista. Os impérios mais tirânicos e intervencionistas do mundo são as democracias modernas. E por quê? Porque o povo é idólatra. Perdeu a fé em Deus como sustentador e mantenedor de todas as coisas. Ato contínuo, despejou essa fé no estado, que prontamente assumiu o posto. Hoje deseja-se mais do que nunca um estado inchado, cheio  de gastos, provedor de tudo, cuidador dos pobres e necessitados, redistribuidor de renda, etc.
Os governos arrogam-se, também, o direito de regular virtualmente qualquer aspecto da vida do cidadão. Legislam completamente livres da submissão à lei de Deus. Se a maioria de um parlamento, por exemplo, não gosta que os produtores de gasolina vendam seu produto acima de um determinado preço, basta fazer uma lei que os proíba de fazê-lo. Se não gostam que um determinado grupo faça, fale ou aja de determinada maneira, basta fazer uma lei e regulamentar a situação. Precisamos entender que isto é tirania, e é assim que agem os estados de hoje. Tal tipo de intervencionismo e estado gigante são desastrosos para a economia. Mas não só isso. São igualmente imorais. É o estado assumindo o papel de Deus. Diante de tudo isso, concluí-se que, se o estado quiser moldar-se aos padrões divinos, ele deve ser um estado mínimo.
Outra forma moderna de usurpação estatal do papel de Deus são os impostos. Vimos anteriormente que a taxação não é necessariamente imoral. Entretanto, a maior parte da cobrança de impostos no mundo moderno é.

Disse o SENHOR a Samuel: Atende à voz do povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a mim, para eu não reinar sobre ele. Segundo todas as obras que fez desde o dia em que o tirei do Egito até hoje, pois a mim me deixou, e a outros deuses serviu, assim também o faz a ti. Agora, pois, atende à sua voz, porém adverte-o solenemente e explica-lhe qual será o direito do rei que houver de reinar sobre ele. Referiu Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei, e disse: Este será o direito do rei que houver de reinar sobre vós: ele tomará os vossos filhos e os empregará no serviço dos seus carros e como seus cavaleiros, para que corram adiante deles; e os porá uns por capitães de mil e capitães de cinqüenta; outros para lavrarem os seus campos e ceifarem as suas messes; e outros para fabricarem suas armas de guerra e o aparelhamento de seus carros. Tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará o melhor das vossas lavouras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais e o dará aos seus servidores. As vossas sementeiras e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais e aos seus servidores. Também tomará os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores jovens, e os vossos jumentos e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe sereis por  servos. Então, naquele dia, clamareis por causa do vosso rei que houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele dia. (1 Samuel 8:7-18)

               O sistema de Israel pré-monarquia, estabelecido por Deus, era um sistema de juízes, divido em tribos, com governos mínimos locais. Era o desejo de Deus uma sociedade descentralizada. 1 Samuel 8:7-18 é um alerta de Deus a respeito do que a centralização de poder acarretaria: opressão. Os israelitas, entretanto, não ouviram este alerta.
               Uma das características de um governo central monárquico, segundo a descrição divina, seria a cobrança da décima parte da produção em impostos (vs. 15-17). Era um dízimo. Era o mesmo que o próprio Deus cobrava. Era um valor altíssimo, conforme o texto deixa claro. Concluímos, portanto, que qualquer valor acima disso é imoral. É tirânico. É uma usurpação do governo divino sobre a terra. O Brasil, hoje, cobra quase 34.8% de impostos [4]. Se 10% é o limiar da tirania, o que 34% representariam?

4. O estado de bem-estar social

               Podemos caracterizar praticamente todos os estados do Ocidente hoje como estados assistencialistas, em maior ou menor grau. Outro termo utillizado para designar o estado assistencialista é o termo “estado de bem-estar social”. A entrada do estado na economia e no fornecimento de serviços gratuitos ao cidadão foi o sinal do avanço da idolatria estatal no Ocidente no século XX. Acirrou-se na década de 30, após a grande crise econômica de 1929. Basicamente, o estado de bem-estar social é um estado com altíssima taxa de gastos (mais do que de arrecadamento em virtualmente todos os casos) e que teoricamente usa este dinheiro em obras gigantescas, criação de empresas públicas, investimentos em saúde, educação, transporte público, previdência social e uma infinidade de outros gastos além daqueles legitimamente instituídos por Deus para a aplicação da justiça.
               Como resultado de tais políticas socialistas, o estado interfere demais na economia, cria monopólitos autoritários (dificuldades ou proibições do setor privado agir nos setores onde o estado atua), etc. Assim, desta interferência, um fardo maior é colocado sobre o setor produtivo da sociedade (ele é espoliado pelos impostos) e menos recursos são investidos pela iniciativa privada em setores onde os recursos são mais urgentemente necessários. A produção decresce e, como consequência inevitável, o bem-estar geral também.
               Crer que o estado pode fornecer bem-estar por si mesmo é idolatria, pois o estado literalmente não produz riqueza alguma, ele apenas devora. Basicamente, é uma política de gastos desenfreados subsidiados por altos impostos e impressão de dinheiro literalmente do nada (fraude) para pagar as contas. O resultado de tal política irresponsável, que tem sido levada a cabo há quase um século nos países ocidentais, não tardará em vir. Crises e mais crises econômicas se seguirão como o inevitável julgamento divino por tal idolatria.

5. Rebelião

Diante de tamanhas afrontas do estado moderno à Deus e à Sua soberania resta ainda um ponto a discutir: o que fazer? Deveriam os Cristãos se rebelarem? Deveriam aqueles que prezam suas liberdades individuais se revoltarem contra a potestade? Biblicamente a resposta é não. Paulo diz que “aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.” O apóstolo não poderia ser mais claro. Não há fundamento bíblico para que os cidadãos se armem e resistam ao poder do Estado. Por pior que possa ser a tirania, devemos evitar confronto direto.
O exemplo da igreja primitiva é revelador e extremamente pedagógico. Paulo escreveu sua carta aos Cristãos de Roma, capital do Império Romano, sede da maior tirania da época. Roma perseguia ferozmente os Cristãos. Perseguiu-os assim por praticamente três longos séculos. Não obstante, Paulo escreve aos crentes em Roma que obedeçam às autoridades. O ensino neotestamentário é o ensino da submissão e não o ensino da rebelião.
É necessário, porém, que façamos uma breve observação aqui. A submissão preconizada por Paulo e pelos demais escritores bíblicos é uma submissão física, civil. Em nenhum momento a Bíblia prescreve que submetamos nossa consciência ao poder estatal. E por quê? Porque a consciência é uma das quatro esferas bíblicas de autoridade na sociedade e essas esferas não devem tomar para si autoridade sobre nenhuma outra. Assim, a Igreja não se submete ao estado, nem o estado à Igreja. A família não se submete à Igreja, nem a Igreja à família. A família não se submete ao estado e, além disso, a consciência individual não pode se submeter coercitivamente e totalmente ao controle de nenhuma dessas esferas de poder. Todas as quatro, porém, são responsáveis a Deus. Devem obediência e submissão a Ele.
O fato de nossa consciência ser livre nos permite discordar de eventuais desmandos estatais. Devemos concordar e apoiar o estado somente até o ponto em que Ele esteja agindo legitimamente como ministro de Deus. Além disso, leis espúrias, inúteis e anti-bíblicas, cuja a desobediência em privado não trouxer qualquer perigo de resistência física ao estado, em princípio, não precisam ser obedecidas. Não precisamos temer o estado em secreto, como precisamos temer a Deus.

6. Conclusão

               É vital para a sobrevivência do mundo ocidental que a Igreja lute contra a idolatria ao Baal moderno, o estado. A cada dois anos, por exemplo, vemos em nosso país um verdadeiro show de promessas enganosas e mentirosas. São políticos que, para ganhar seu quinhão no governo, prometem toda sorte de benesses aos cidadãos que, ludibriados pela filosofia do estatismo, acreditam, desejam e mesmo exigem que o estado seja o seu deus provedor. Esta mentalidade precisa ser mudada. As expectativas do povo quanto ao governo devem ser literalmente as menores possíveis. O povo de confiar mais na iniciativa do trabalho duro e da produção de riqueza pela iniciativa privada e menos nas promessas enganosas de prosperidade fácil do governo. Deus deve ser seu provedor, não o estado. Somente assim, através de uma gradual deslegitimação do poder estatal, conseguiremos a verdadeira liberdade e, de acordo com a lei de Deus, a verdadeira prosperidade. Gradativamente, quando o povo perder a confiança em Baal, Baal perderá sua influência sobre o povo.

Por Matheus Henrique.

Texto ministrado na Escola Dominical da Congregação Presbiteriana de Heliópolis, Belford Roxo, RJ.



Referências
[1]  -  R. C. Sproul. O Que é Pietismo?. Disponível em http://zip.net/bqpr9p.
[2] - João Calvino. Uma pequena instrução para armar todos os bons cristãos contra os pestíferos erros da seita dos anabatistas. Disponível em http://zip.net/bxpsts.
[3] - Gary North. Cooperation and Dominion: An Economic Commentary on Romans (Cooperação e Domínio: Um Comentário de Economia em Romanos). Disponível em http://zip.net/brpsTW.

[4] - Heritage Foundation. Dado referente aos impostos arrecadados como porcentagem do PIB. Disponível em http://zip.net/bqpwqt

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Governo e Economia

Leviatã, de Thomas Hobbes


É uma verdade patente a todos que o governo brasileiro intervém maciçamente na economia. Não só isso, mas a própria cultura nacional é construída de forma que o brasileiro, desde muito cedo, aprende a ver o governo como uma espécie de Messias salvador, como aquele que tem a responsabilidade de solucionar todos os problemas sociais e de garantir uma vida digna a todos.

O fenômeno estatista não é observado com exclusividade em terras tupiniquins. De fato, é um fenômeno mundial, e de natureza essencialmente religiosa. Não trataremos de suas origens neste artigo.

O governo é, segundo Mises, o aparato social de coerção e compulsão. Sua função, de acordo com São Paulo, é ser um ministro vingador de Deus, aquele que detém o poder da espada (uso da força) para punir criminosos (Romanos 13:1-6). O estado não é uma empresa. Não fornece nenhum serviço sujeito à vontade soberana do consumidor. O estado existe e atua independentemente de nossa vontade e, mais do que isso, o estado tira sua receita através da força bruta. Nós não pagamos impostos voluntariamente ao estado. Pagamos porque somos obrigados a pagar.

Grande parte da sociedade em geral, e dos economistas em particular, acredita que, em tempos de crise, o estado deve entrar na economia para estimular a demanda. O arcabouço intelectual que sustenta esta crença é a doutrina Keynesiana, que tem seu nome emprestado do economista britânico John Maynard Keynes. Após a grande crise de 1929, Keynes postulou que, em vista do altíssimo e crescente desemprego e do esfriamento da atividade econômica, era necessário que o estado investisse em obras públicas e outras benesses com o objetivo de estimular a demanda. Assim, pensava Keynes, o estado estaria ativando a economia, visto que com mais demanda, mais investimentos seriam gerados e mais empregos, por consequência, seriam criados.

Esta teoria espalhou-se por todo o mundo Ocidental e pôs fim à era dourada do liberalismo econômico do século XIX. O Leviatã, agora, acordara e voltara à ativa. Os anos 30 do século XX viram o tamanho do estado aumentar de forma nunca antes vista. Criava-se, assim, o estado de bem-estar social. A euforia tomava conta da sociedade, afinal, tudo estaria bem com o estado sustentando a economia e cuidando cada vez mais das necessidades dos cidadãos.

Apesar dos efeitos iniciais aparentemente benéficos, os economistas austríacos[1] sempre alertaram para o resultado da intervenção a longo prazo. Seu alerta deriva-se do postulado misesiano da ação humana. Para entendermos minimamente o motivo pelo qual a ação do estado na economia não é benéfica e, a longo prazo, é destruidora, precisamos entender esse postulado.

O Postulado da Ação Humana

Ludwig von Mises (1881-1973) postulou o seguinte: o homem age. Inicialmente, este postulado pode ser bem óbvio e simples. No entanto, ele tem consequências importantíssimas para a economia. A ciência econômica só pode ser corretamente entendida pelo postulado de Mises. De outro modo, tudo que teremos serão falsas teorias e, como consequências, políticas econômicas desastrosas.

Quando dizemos que o homem age, significamos o seguinte: o homem prefere uma coisa à outra, como forma de satisfazer algum propósito. Este postulado é uma verdade a priori, ou seja, não necessita da experiência para prová-la. Na verdade, a experiência não pode negá-la jamais. É uma verdade fundamental do homem, a respeito de sua estrutura natural. É como as verdades matemáticas, que são todas derivadas da estrutura lógica da mente humana. Quando Gottfried Leibniz desenvolveu o conceito de integral, não era necessário ir a um laboratório e verificar experimentalmente aquele fato, como foi para Newton demonstrar suas leis da mecânica.

Negar o postulado da ação humana é uma tarefa impossível. Negar algo implica numa ação, o que por sua vez já demonstra a validade do teorema. Também devemos ter em mente que o postulado não depende da psicologia. Basta a nós a verdade de que os homens agem com um propósito de reduzir ou evitar algum desconforto. Os motivos da mente que levam os homens ou grupos de homem a agirem de determinada maneira não importam à ciência econômica.

Corolário: Relação Custo-Demanda

Um corolário importante do postulado da ação humana é a simples, contudo importante, lei da economia que diz que a demanda por algo é proporcional ao seu custo. Se o custo para alguém tomar uma decisão qualquer aumenta num dado espaço de tempo, o número de indivíduos que terão o propósito daquela ação em valor mais alto do que o novo custo será menor. Assim, menos pessoas atuarão daquela maneira. Este é exatamente o propósito da lei civil, e tal lei está de acordo com a determinação divina da punição aos criminosos.

O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, esse homem morrerá; e tirarás o mal de Israel;
Para que todo o povo o ouça, e tema, e nunca mais se ensoberbeça.

Deuteronômio 17:12-13
O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, esse homem morrerá; e tirarás o mal de Israel; para que todo o povo o ouça, e tema, e nunca mais se ensoberbeça. 
(Deuteronômio 17:12-13)

Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.(Romanos 13:3-4)

Este corolário é especialmente importante para entendermos o motivo da intervenção governamental na economia ser prejudicial em todos os aspectos, conquanto possa parecer benéfica em primeira instância.

A Falácia da Janela Quebrada

O que significa dizer que o governo interviu na economia? Significa que ele injetou dinheiro investindo em obras ou projetos que gerem algum tipo de demanda. O que precisamos nos perguntar, entretanto, é: de onde vem este dinheiro? E a resposta é: do mesmo lugar de onde o governo tira seu dinheiro, ou seja, de impostos.
Quando entendemos que o dinheiro que o governo "investe" na economia é tomado a força de seus cidadãos, então podemos ver a razão de chamarmos esta intervenção de falácia da janela quebrada. A validade desta doutrina é a mesma validade da afirmação de que quebrar janelas em um bairro pode ser bom para a economia local, pois estimulará a industria a produzir mais vidros. Isto é o que se vê. O que se não vê é o fato de que o dinheiro que foi gasto na compra de janelas foi drenado de outros gastos que estavam mais de acordo com os desejos e planos dos moradores locais. Ou seja, todos se tornaram relativamente mais pobres, porque menos pôde ser gasto para satisfação de seus desejos. 

O mesmo podemos dizer de guerras. Guerras destroem, não criam. Numa guerra, um povo precisa se preocupar com necessidades que, em tempos de paz e prosperidade, estariam longe de suas mentes. Se vêem obrigados a gastar de forma que, caso houvesse paz, não gastariam. Em outras palavras, estão mais pobres. A situação é análoga a de um lugar com muita violência.

Note que todas estas conclusões foram tiradas de um só lugar: o postulado da ação humana. Fica mais fácil agora entender sua importância.

Tipos de Imposto

As conclusões acima sobre a intervenção do governo, alguns dizem, só são válidas em alguns casos, e dependem de como e quanto o governo gasta. Vamos demonstrar aqui que isto não é verdade.

Muitos economistas adeptos de doutrinas intervencionistas pregam que tais efeitos negativos serão visíveis se o estado tirar toda ou grande parte de sua receita através da taxação incidente sobre os bens de consumo. Isto, argumentam eles, não pode aquecer a economia de forma alguma visto que, embora a intervenção governamental possa estimular a demanda por um lado, ela a onera por outro, ao taxar os consumidores.

Na verdade, a espoliação estatal do dinheiro do consumidor e a consequente drenagem deste dinheiro para os "investimentos" estatais acaba estimulando o consumo. O grande problema é que este dinheiro não está sendo usado para satisfazer as necessidades dos consumidores, embora a mensagem que o governo passe ao "investi-lo" é exatamente esta. Em tempos de crise, então, quando um governo toma dinheiro dos consumidores e o consome totalmente, o que ocorre é mais distorção da relação consumo-investimento, e menos satisfação dos desejos dos consumidores. Assim, mais erros foram introduzidos no sistema econômico, e não a solução. Murray Rothbard explica porque tais "investimentos" na verdade não são investimentos:

Em anos recentes, particularmente na literatura sobre os "países subdesenvolvidos," tem havido um grande volume de discussões sobre "investimentos" governamentais. Entretanto, tal investimento não pode existir. "Investimento" é definido como um gasto feito não para a satisfação direta daquele que o fez, mas de outros, os consumidores finais. Máquinas são produzidas não para satisfazer o empreendedor, mas para servir os consumidores finais, que, em troca, remuneram o  empreendedor. Mas o governo adquire seus fundos tomando-os à força dos indivíduos; o gasto dos fundos, portanto, gratifica os desejos dos oficiais do governo. Oficiais do governo forçosamente deslocaram a produção da satisfação do desejo dos próprios consumidores para a satisfação deles próprios; seus gastos são, portanto, puro consumo e não podem jamais ser chamados de "investimento." [2]

O problema torna-se pior dada a sugestão que o estado taxe os mais ricos, suas propriedades e fortunas, e não os mais pobres. Entretanto, essa sugestão não considera propriamente o postulado da ação humana. 

O que move uma economia é a acumulação de capital: é poupar no presente para investir no futuro. É por este mesmo motivo que a fortuna dos ricos tem grande papel social: investimento. Não fossem os ricos, os pobres não teriam a vida muito superior que tem hoje, comparada a 100 ou 200 anos atrás. O luxo de ontem torna-se o comum de hoje através das acumulação de fortunas e do uso das mesmas em grandes investimentos.

Quanto mais o estado onera (aumenta o custo) a acumulação de riquezas, menos investimentos privados e acumulação de riqueza haverá. É correto concluir que isso forçará um consumo maior de riquezas no presente em detrimento do futuro. Mais uma vez, as vantagens de tais políticas podem ser aparentemente boas a curto prazo, mas são destrutivas a longo prazo. É a velha falácia da janela quebrada.

Novamente, vemos que tais verdades estão em completo alinhamento à verdade revelada de Deus. A única forma de maximizar a prosperidade de uma sociedade é através do estabelecimento e do respeito à propriedade privada. Qualquer intervenção onera o proprietário e desestimula investimento correto. Por este motivo mesmo aprouve a Deus estabelecer a propriedade privada, absoluta (em termos relativos aos homens). "Não roubarás" (Êxodo 20:15) é o mandamento mais importante para a ciência econômica.

O Imposto Inflacionário

Há ainda uma outra forma de intervenção estatal na economia, que é tida por muitos como a maneira ideal de vencermos a escassez e criarmos prosperidade quando quisermos. Tal maneira é a criação de dinheiro. 

O estado intervencionista gasta muito. Em geral, gasta mais do que arrecada. A isto chama-se deficit público nominal. A dívida pública é um problema crescente em muitos países. A solução encontrada por muitos é possível apenas pela realidade do monopólio estatal do sistema monetário[3]. É a impressão de dinheiro. Isaías, falando a mensagem de Deus a Israel, declarou:

A tua prata tornou-se em escórias, o teu vinho se misturou com água.
(Isaías 1:22)

A maneira pela qual a prata (dinheiro) pode tornar-se em escória é pela falsificação monetária. Em tempos passados, quando o dinheiro era ouro e prata, era comum a prática fraudulenta de falsificação monetária. Cunhava-se uma moeda e adicionava-se a seu peso metais baratos, imperceptíveis a olho nu. Assim, uma moeda de 20g de prata continha apenas 18. 2g eram literalmente roubadas pelo falsificador.

Esta prática torna-se comum geralmente quando os governos declaram-se o detentor da autoridade de cunhar moedas. A falsificação de moeda é um meio eficiente de o estado aumentar seus gastos e estender seu poder e influência. 

Esta prática é a mesma de hoje: governos imprimem dinheiro para sustentar seus gastos deficitários. Com esta falsificação, o governo está tirando valor de cada unidade monetária, visto que um maior volume de dinheiro diminui sua utilidade marginal[4] e, consequentemente, seu poder de compra. Por isso tal prática é conhecida como imposto inflacionário. O dinheiro novo criado não vem de graça. Além disso, tal prática é fundamentada no pressuposto de que o estado pode criar prosperidade ex-nihilo, ou seja, do nada. O estado, assim, se assenta no trono do próprio Deus. Mais uma vez, as sanções não tardam a vir. Com o aumento da inflação, o poder de compra da população cai e há um relativo empobrecimento. Nós, brasileiros, sabemos bem o que é isso. Há pouco mais de vinte anos vivíamos numa gravíssima hiperinflação. Julgamentos seguem-se à insistência dos homens em desobedecer à lei de Deus. É inevitável.

Conclusão
Vimos que qualquer meio de intervenção estatal na economia é prejudicial. Desvia o foco de investimentos realmente necessários que só o livre-mercado pode satisfazer. Pode causar benefícios imediatos, mas causa empobrecimento relativo com o passar do tempo. As leis da economia são uma, universais. Estado e economia é uma combinação insustentável.

Referências

[1] - Refere-se aos economistas da escola austríaca, independente de suas nacionalidade.

[2] - Ver Murray Rothbard, "A Grande Depressão Americana", p. 20, 5a. Edição.

[3] - Para mais informações sobre como os estados modernos apossaram-se do sistema monetário e excluíram o ouro e a prata do mercado conferir Murray Rothbard, "O que o governo fez com o nosso dinheiro." Disponível gratuitamente aqui.

[4] - Para saber mais sobre utilidade marginal, conferir Ludwig von Mises, "Ação Humana - Um Tratado de Economia," capítulo 7, seção 1. Disponível gratuitamente aqui. Conferir também artigo de Thorsten Polleit, "O que a lei da utilidade marginal decrescente pode nos ensinar?" Disponível aqui.




sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Negação da Economia

Por Ludwig von Mises

Existem doutrinas que simplesmente negam a existência de uma ciência econômica. O que hoje em dia se ensina nas universidades sob o rótulo de economia é praticamente uma negação da economia.

Aquele que contesta a existência da economia está virtualmente negando que o bem estar da humanidade possa ser afetado pela escassez de fatores externos. Imagina que todo mundo poderia desfrutar a perfeita satisfação de todos os seus desejos, desde que fosse feita uma reforma para superar certos obstáculos causados por instituições inadequadas feitas pelo homem. A natureza é pródiga e generosamente cumula a humanidade com presentes. As condições poderiam ser paradisíacas para um número ilimitado de pessoas. A escassez é uma situação artificialmente criada por práticas estabelecidas. A abolição dessas práticas resultaria em abundância.

Na doutrina de Karl Marx e de seus seguidores, a escassez é apenas uma categoria histórica. É a parte essencial da história primitiva da humanidade que desaparecerá para sempre pela abolição da propriedade privada. Assim que a humanidade efetuar a transição do mundo de necessidade para o mundo de liberdade, atingindo desta forma "a fase superior da sociedade comunista", haverá abundância e, consequentemente, será possível dar "a cada um de acordo com suas necessidades". Não há, no vasto fluxo de escritos marxistas, a menor alusão à possibilidade de que uma sociedade comunista da "fase superior" possa ter que enfrentar uma escassez dos fatores naturais de produção. A realidade da existência da desutilidade do trabalho desaparece pela afirmativa de que trabalhar, numa sociedade comunista, evidentemente não será um encargo, mas um prazer, "a necessidade primordial da vida". As desagradáveis realidades da "experiência" russa são atribuídas à hostilidade dos capitalistas, ao fato de o socialismo não ter ainda alcançado sua "fase superior" por ter sido implantado apenas em um país, e, mais recentemente, pela guerra.

Existem também os inflacionistas radicais, como por exemplo, Proudhon e Ernest Solvay. Para eles, a escassez é criada por restrições artificiais à expansão do crédito e outros métodos de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, restrições essas que são impostas ao público crédulo pelos egoísticos interesses de classe dos banqueiros e de outros exploradores. Recomendam como panaceia que as despesas públicas sejam ilimitadas.

Tal é o mito da possibilidade de fartura e abundância. A economia pode deixar aos historiadores e psicólogos a tarefa de explicar a popularidade dessa maneira de tomar os desejos por realidade e de satisfazer-se com fantasias. O que a economia tem a dizer sobre essa conversa fiada é que a economia lida com os problemas que o homem tem que enfrentar devido ao fato de que sua vida é condicionada por fatores naturais. Lida com a ação, isto é, com os esforços conscientes para diminuir tanto quanto possível o desconforto. Não tem nada a dizer sobre o que sucederia num mundo, não só inexistente como também inconcebível para mente humana, onde as oportunidades fossem ilimitadas. Em tal mundo, pode-se admitir, não haveria nem lei de valor, nem escassez, nem problemas econômicos. Essas coisas não existiram porque não haveria escolhas a serem feitas, não haveria ação nem tarefas a serem resolvidas pelo raciocínio. Os seres que porventura tivessem florescido num tal mundo jamais teriam desenvolvido o raciocínio e o pensamento. Se algum dia um mundo assim fosse dado aos descendentes da raça humana, estes seres bem-aventurados veriam sua capacidade de pensar se atrofiar e deixariam de ser humanos. Porque a tarefa primordial da razão é enfrentar conscientemente as limitações que a natureza impõe ao homem, é lutar contra a escassez. O homem que age e que pensa é o produto de um universo de escassez onde qualquer gênero de bem estar que possa ser alcançado será fruto de esforço e preocupação, de uma conduta que comumente chamamos de econômica*.

Sobre o autor: Ludwig von Mises (Lviv, 29 de Setembro de 1881 — Nova Iorque, 10 de Outubro de 1973) foi economista, filósofo e grande defensor da liberdade econômica como suporte básico da liberdade individual, é um dos ícones da escola austríaca.

Em um de seus livros, Ação Humana (Human Action em inglês), apresentou os fundamentos metodológicos dessa escola e integrou a teoria austríaca. Publicou ainda diversas outras obras, muitas delas se encontram em português publicadas pelo Instituto Liberal e todas elas, na versão em inglês, podem ser baixadas gratuitamente do site do Instituto Ludwig von Mises. Entre outros, ele desenvolveu uma teoria do ciclo de negócios baseada nas mudanças das relações do mercado de crédito, e uma teoria sobre a impossibilidade do cálculo econômico no socialismo.

Sobre o texto: O texto é parte do capítulo 14 do livro Ação Humana, Um Tratado de Economia. Baixe gratuitamente o livro aqui.

Notas do Editor

* Aqui, Mises escreve de acordo com sua pressuposição humanista evolucionista. Deus criou e e dotou o homem de pensamento e de capacidade para agir e, originalmente, tal capacidade tem o propósito de ser usada no Pacto de Domínio. 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Falácia da Janela Quebrada



O brasileiro precisa aprender a falácia da janela quebrada. Elaborada por Frédéric Bastiat, em curtas linhas, ela diz o seguinte: se eu quebrar a janela do meu vizinho, essa aparente destruição será benéfica para a economia pois forçará o vizinho a comprar mais vidro para a janela, movimentando o mercado de vidros.

Economistas intervencionistas acreditam e pregam que, se o governo gastar dinheiro em obras públicas monumentais, projetos gigantescos, educação, saúde e afins, ou, em outras palavras, se o governo aumentar absurdamente seus gastos, estará estimulando a economia, ajudando assim, um mercado esfriado.

Ocorre que, assim como no caso da janela quebrada, há efeitos indesejáveis não observados também. Da mesma maneira que o vidraceiro lucrou com o vidro quebrado, todos aqueles que se beneficiariam do dinheiro que o dono da casa usaria CASO A JANELA não tivesse sido quebrada, estarão agora em desvantagem. Em suma, a janela quebrada movimenta artificialmente algumas áreas da produção e prejudica outras.

Precisamos entender que o governo gastar muito não significa um estímulo real à economia. O motivo é simples: o dinheiro que o governo gasta não é dele. É meu. É seu. Quanto mais ele gasta, mais NÓS deixamos de gastar. Quanto mais ele gasta, mais NÓS deixamos de produzir.  Esta é, em suma, a crítica fundamental da ciência econômica (a ortodoxa, e não a podridão ideológica travestida de ciência) à intervenção estatal, que quanto mais o estado pratica espoliação para financiar seus projetos, MAIS ele onera setores produtivos e, aumenta os custos da produção e, consequentemente, DIMINUI a capacidade produtiva do país e o bem-estar geral. Toda política socialista é assim. Está fadada ao fracasso. O que muda é quanto tempo demora para evidenciar-se tal fracasso (dependendo da gradação da política socialista e do capital acumulado pelo livre mercado no país).

É por este motivo que o capitalismo livre mercado, com uma defesa rígida da propriedade privada dos meios de produção e das entradas monetárias provindas do seu uso, é o ÚNICO sistema capaz de GERAR riqueza e aumentar, progressivamente, o bem-estar geral.

Por Matheus Henrique.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Lei de Comte e a História

Por R. J. Rushdoony

A historiografia agnóstica e ateísta começa com um ato fundamental de fé, a fé de que Deus nada tem a ver com a história. Essa premissa nada tem a ver com a ciência ou com a história: é um teorma pré-teórico através do qual toda fatualidade é analisada. Isso, Lucrécio afirmou aberta e claramente: "O princípio básico a que nos devemos ater como nosso principal é que nada jamais fora criado por divino poder."[1] Através deste ato de fé é a história declarada ser a arena da ação humana, a parte de qualquer determinação ou operação divinas.

Feita tal premissa, os acadêmicos então prosseguem em aplicá-la à história. A história, assim, torna-se simplesmente a luta e o desenvolvimento do homem num universo desprovido de sentido. Essa aplicação é, então, tomada como “prova” da premissa mesma que a produziu! Claramente, isto é um raciocínio cíclico: é um raciocício de fé em fé, e culpado do próprio processo do qual acusa os Cristãos.

Um exemplo clássico é a “Lei dos Três Estágios” de Augusto Comte (1798-1857) em A Filosofia Positiva. Comte negou a Deus; portanto, a presença de Deus na história era mitológica, e o progresso na história era o progresso da teologia à ciência positivista. Os três estágios pelo qual cada ramo do conhecimento passa são, portanto, o Teológico ou fictício; o Metafísico ou abstrato; e o Científico ou positivo. O homem passa de um desejo pelo significado a um reconhecimento pragmático de que significado não existe e deve, na realidade, ser analisado metodologicamente e pragmaticamente. Através desse esquema simples, Comte aplicou a doutrina da evolução social (que muito precedeu a evolução biológica) à história e relegou a teologia à idade do mito. Que o esquema geral de Comte ainda é tão extensivamente adotado, é evidência do poder da fé sobre o fato, porque a história claramente mostra um quadro bem diferente.

É possível, com bastante precisão e por conveniência, dividir o desenvolvimento do pensamento em três bem diferentes estágios, esses, sim, sobremodo aparentes na história. O primeiro estágio do pensamento humano foi a cosmovisão político-mágica. A não ser pelos Hebreus, essa perspectiva governou toda a antiguidade, governava o Império Romano na era Cristã e, desde então, contina a governar o mundo não Cristão. Para entendermos o significado da cosmovisão político-mágica, é importante definirmos o que é mágica.

Uma definição assim requer uma distinção entre a técnica e o propósito da mágica. Muito comumente, a mágica é explicada em termos de técnicas primitivas e é, assim, expelida da cosmovisão moderna. Entretanto, a mágica é melhor definida em termos de seu propósito; as técnicas tem variado de cultura para cultura, mas o propósito permanece intacto. O propósito da mágica é ganhar controle autônomo sobre o homem, sobre a natureza e sobre o sobrenatural, controle sobre a totalidade do que realmente existe, como quer que isso seja definido. A ciência moderna, tendo firmemente abandonado suas origens Cristãs, é governada cada vez mais por mágica, por um desejo de controle total sobre a realidade. Na perspectia bíblica, a ciência é uma atividade necessária da sociedade e do homem piedosos ao passo que eles buscam entender e subjugar a terra sob Deus e em obediência ao Seu mandato cultural dado na criação. Na fé mágica, o homem almeja o controle total um ato em desprezo, desafio e descrença.

Desde o começo da história, um dos melhores, se não um dos mais fáceis, meios de exercer este controle tem sido pelo controle político. Como resultado, mágica e política fizeram aliança desde cedo. A consequência foi que, na antiguidade, a salvação não era religiosa; a salvação era política. A religião era um aspecto subordinado da vida antiga, simplesmente um departamento do estado, uma divisão de bem-estar social e obras públicas. A orientação principal do homem era política; pode-se dizer que sua religião era política, se usarmos religião como veículo de salvação. O estado e seus governantes, nesta comovisão político-mágica, eram, em certo sentido, divinos: eram os controladores da totalidade da realidade. A comovisão político-mágica suplantou, assim, Deus e a religião com uma ordem mágica totalitária.

Mesmo um olhar passageiro em culturas antigas e não Cristãs revela a prevalência dessa ordem políto-mágica. A adoração a Baal no Oriente Médio era a adoração dos senhores, naturais e políticos, que governavam toda a realidade.  Os governantes políticos prontamente adotavam o baalismo em vista de comandar aquele controle total oferecido por esta cosmovisão político-mágica. A adoração a Moloque, com sua demanda por sacrifícios humanos, era político-mágica, e Moloque significava literalmente “rei.” Os curandeiros das tribos indígenas Americanas tinham pouca relação com religião; sua função era mágica, e a medicina era uma faceta de seu controle sobre a realidade. As tentativas do césaro-papismo de absorver a Igreja Cristã representa uma tentativa de reduzir a igreja a um aspecto da ordem político-mágica, em oposição a permitir que a igreja esmague aquela ordem e a refaça numa ordem religiosa.

O segundo estágio do pensamento humano tem sido o religioso ou Cristão. Com a vinda de Cristo, o estágio religioso, anteriormente altamente restringido aos Hebreus, agora iniciava sua caminhada em direção à conquista do mundo. O resultado foi a guerra imediata entre Cristo e os césares, que nada mais fora que uma batalha entre a cosmovisão politico-mágica e a cosmovisão bíblica. É o costume, agora, dos novos mitologistas, tratar a perseguição dos Cristãos como majoritariamente lendária. A realidade é muito diferente, entretanto. Roma engendrou uma tentativa de varrer o Cristianismo. Primeiramente, isso se deu pelo assassinato judicial de membros seletos e líderes. Finalmente, tornou-se a tentativa de assassinato em massa um povo inteiro. Foi uma longa e terrível batalha, mas o império, embora possuísse o poder da espada e de forma selvagem o utilizasse, finalmente perdeu.

Em Jesus Cristo a vida foi restaurada  de uma cosmovisão político-mágica a uma cosmovisão religiosa. Na queda de Adão, sua tentativa de ser como Deus (Gn 3:5), nasceu a perspectiva político-mágica. Na tentação de Cristo, a cosmovisão político-mágica foi vencida. Vida e salvação foram restauradas a uma dimensão religiosa.

O resultado foi uma nova historiografia. A velha fora nulificada. Ela simplesmente narrava a conquista de poder e era antiquada em tudo mais. Ao invés de movimento e progresso na história, a história antiga simplesmente citava poder e controle. Santo Agostinho apontou o conflito da história, a Cidade de Deus e a Cidade do Homem, entre a religião bíblica, entre o Cristianismo, e a ordem político-mágica. A história, portanto, tem um propósito, o triunfo da cidade celestial, e é, portanto, apta para o progresso. Há desenvolvimento em ambas as cidades, conforme cada uma exercita as implicações de suas pressuposições. O único desenvolvimento que Platão poderia visionar era um de grandes controle sobre o homem, uma ordem comunizada, porque sua perspectiva era político-mágica. Em Agostinho, a meta está aberta à imaginação: as cidades crescerão, não em controle, mas em suas auto-consciências epistemológicas, e o futuro é tanto certo como desconhecido. O progresso da história Ocidental é único na história do mundo; é simplesmente um produto do triunfo da cosmovisão bíblica, a substituição das ordens político-mágicas pela religião Cristã.

O terceiro estágio está agora em evidência: a tenttiva de restaurar a ordem político-mágica. A cosmovisão Cristã foi introduzida extensivamente em cada continente. Os leões adormecidos da ordem político-mágica levantam-se por toda parte. Na cultura Ocidental, eles estavam ativos nos avivamentos neo-platonistas, no Aristotelianismo, na Renascença e no Iluminismo. A ONU hoje é a ordem político-mágica mundial, e virtualmente o são também todas as nações. As igrejas foram largamente capturadas pela mágica e, de acordo, tem um evangelho social e político. A salvação tornou-se política novamente, e a salvação Cristã é ferozmente denunciada como irrelevante e obscurantista. A batalha ocorre entre o estado como deus e Deus como Deus.

Portanto, não é presunçoso postular a ascenção de ainda outro estágio, uma vez que Deus é Deus e Ele prevalecerá: uma ordem Cristã triunfante ao redor da terra, e a supressão da cosmovisão político-mágica. Uma vez que Deus tem tudo a ver com a história, cada amanhã é em termos dEle. Não há outra história.


Sobre o autor: Rousas John Rushdoony (25 de abril de 1916 - 08 de fevereiro de 2001) foi um filósofo calvinista, historiador e teólogo e é amplamente creditado como o pai do Reconstrucionismo Cristão e uma inspiração para o movimento de educação domiciliar cristão moderno. Seus seguidores e críticos tem argumentado que seu pensamento exerce considerável influência sobre a direita cristã evangélica.

Sobre o texto: O texto traduzido aqui é o capítulo 10 do livro The Biblical Philosophy of History.



[1] Esta tradução é dada por Gordon H. Clark: A Christian Philosophy of Education (Grand Rapids: Eerdmans, 1946), 31. Esta sentença de De Rerum Nature I, 148-150, é dada no livro Lucretius on The Nature of Things (Bohn’s Classical Library, 1904), 10, de John Selby Watson, como “nosso princípio primeiro deve daí tirar seu começo, QUE NADA É JAMAIS DIVINAMENTE GERADO DO NADA.”

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O Valor do Ouro - Parte II

B. Monopólio e Impureza

Quando os homens, seja como cidadãos ou como funcionários do governo, adulteram o teor de ouro e prata nas moedas, o desastre segue como resultado. Quando os corações dos homens são corrompidos, eles arriscam-se na produção de moeda adulterada e de bens de consumo corrompidos (Isaías 1:22).[1] Reis tem praticado tal engodo monetário desde que eles existem. Eles derramam metais mais baratos junto à prata ou ao ouro usado para convertê-los em lingotes ou moedas. Eles substituem as notas de papel ou cheques ou dígitos de computador por os metais preciosos e, em seguida, eles multiplicam as notas, cheques, ou dígitos de computador. Multiplica-se o dinheiro, sobem os preços e aumenta a redistribuição de riqueza através do engano. O governo civil incentiva a fraude, seja diretamente (degradação de valor, impressão dinheiro) ou indiretamente (banco central e bancos comerciais). Quando as autoridades do governo civil estampam um selo numa moeda ou numa nota atestando que uma quantidade e pureza específicas de um metal precioso estão contidas em uma moeda (ou que uma determinada quantidade deste metal está na reserva para a troca imediata pela nota de papel) e, posteriormente, falsificam o processo de cunhagem ou imprimem mais notas do que há de metal na reserva, eles, assim, agem de forma fraudulenta. Primeiro, criam um monopólio da emissão de dinheiro, e então abusam deste monopólio governamental. Eles põe o dinheiro fiduciário em circulação pela compra de recursos econômicos escassos do mercado. O estado, portanto, aumenta o seu consumo através da cobrança do "imposto invisível" da inflação monetária.

O monopólio do dinheiro irroga perigos a todos, mas os cidadãos mais alertas e os beneficiários do estado se favorecem. As autoridades não podem resistir muito tempo à tentação de cobrança do imposto invisível da inflação de preços. É verdade que Bizâncio foi abençoada com uma cunhagem de ouro estável por mais de 700 anos, mas esse caso foi único na história do homem.[2]

Por esse motivo, a inflação da oferta de moeda tem sido uma característica da história humana desde o início dos registros históricos. Governos trapaceiam. Governos civis honestos não são os criadores de dinheiro; eles são, no máximo, certificadores de dinheiro. É por isso que a Bíblia repetidamente adverte sobre o pecado de pesos e medidas fraudulentos.[3] Isso está ligado à justiça (Lv 19: 33-37;[4] Dt 25:13-16[5].). Quando Jeremias comprou o campo do seu parente, ele "subscreveu a evidência, e fechou-a e levou testemunhas, e pesou ele o dinheiro numa balança" (Jer. 32:10). O dinheiro, neste caso, era 17 siclos de prata (Jr 32:9). O aviltamento da moeda não é nada menos do que adulterar os pesos e medidas, seja por cunhadores privados, falsificadores, ou funcionários do Estado.

A abolição do padrão-ouro no século XX, durante e depois da Primeira Guerra, levou diretamente a uma inflação universal, revolução e ciclos comerciais de expansão e recessão nesse mesmo período histórico. Não há escapatória da lei moral de Deus, mesmo que economistas profissionais não reconheçam a existência de tal ordem moral. Os padrão ouro e prata para moedas, ou padrões múltiplos de moedas livremente intercambiáveis, é o resultado direto da aplicação da lei bíblica.

A abolição de pesos e medidas honestos através da criação do sistema bancário de reservas fracionárias, impressão de moeda, aviltamento de moeda, ou raspagem de moeda, deve inevitavelmente resultar em repercussões econômicas e sociais desagradáveis. Quando alguém emite um recibo por metal de uma certa pureza e peso, ele deve ter exatamente aquilo na reserva. Emitir mais recibos de reserva (notas bancárias) do que a quantidade de metal realmente existente é nada menos do que adulterar as medidas, pois os resultados são idênticos ao aviltamento de moeda. É o mesmo pecado; e deve resultar no mesmo julgamento. Vivemos num universo que é pessoal e governado por uma lei moral. Crises econômicas são os dispositivos imbutidos autorreguladores – imbutidos no homem e na criação – que  refream os homens em sua busca por fazer o mal. Pesos desonestos, dinheiro desonesto, autoridades desonestas e culturas desonestas andam de mãos dadas.

Conclusão

Embora o Império Romano seja, hoje, nada mais do que pó, suas moedas de ouro e de prata ainda podem ser trocadas por bens econômicos escassos. Os Césares estão em suas tumbas já há milênios, sua autoridade está há muito destruída, mas as moedas que carregam suas faces podem ainda comprar bens e serviços. Os homens ainda imputam valor a metais preciosos muito tempo depois de eles cessarem de imputar valor a um dado regime político. Moedas de metais preciosos duram mais que governos civis. O ouro pode ser dinheiro. A prata pode ser dinheiro. Assim tem sido desde o começo da história escrita, e assim será até o fim.
      O ouro de Havilá era bom. Era ouro de alta qualidade. Era ouro desejável. Porém, mais do que isso, ele não era tão facilmente falsificável, especialmente por governos civis iníquos.[6] Isso é mais do que podemos dizer sobre notas bancárias, cartões de créditos e dinheiro fiduciário não lastreado.

Sobre o autor: Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. North é um teórico reconstrucionista Cristão americano e historiador econômico. Já escreveu e foi co-autor de mais de 50 livros com tópicos variando entre teologia Cristã, economia e história. Visite seu website.

Sobre o texto: O texto é parte do capítulo 7 do livro Sovereignty and Dominion - An Economic Commentary on Genesis Vol. I. Baixe gratuitamente o livro aqui.

Traduzido e revisado por Matheus Henrique.

Parte I



[1] Gary North, Restoration and Dominion: An Economic Commentary on the Prophets (Dallas, Georgia: Point Five Press, 2012), cap. 3.
[2] “Byzantine Coinage,” Wikipedia.
[3] R. J. Rushdoony, Institutes of Biblical Law (Nutley, New Jersey: Craig Press, 1973), pp. 468–72.
[4] Gary North, Boundaries and Dominion: An Economic Commentary on Leviticus, 2a ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1994] 2012), cap. 19.
[5] Gary North, Inheritance and Dominion: An Economic Commentary on Deuteronomy, 2nd ed. (Dallas, Georgia: Point Five Press, [1999] 2012), cap. 65.
[6] Gary North, Honest Money: The Biblical Blueprint for Money and Banking (Ft. Worth, Texas: Dominion Press, 1986). (http://bit.ly/gnmoney)